Não é de hoje que se fala em renovação do público otaku, pois aqueles grandes sucessos da década de 80 e 90 não tem mais a mesma força (talvez com exceção de Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco). Apesar disso, o mercado de mangás é constante e não dá para martelar no mesmo prego todo dia.
Os tokusatsus antigos, como Jiraya, Jaspion e Changeman atraem o público mais velho, na faixa acima de 30 anos, o que ainda é interessante, pois é um público que já tem uma capacidade financeira mais estabilizada. De forma parecida ocorre com mangás/animes tradicionais, como Yu Yu Hakusho, Fullmetal Alchemist, CDZ, Dragon Ball, Naruto, One Piece e Rurouni Kenshin.
Porém, uma nova geração chegou após 2010, com mangás/animes que conquistaram grande público jovem. Estamos fechando uma década e novas figuras se tornaram destaque. Entre eles Boku no Hero, The Promised Neverland, Kimetsu no Yaba e outros. O mercado de mangás no Brasil cresceu exponencialmente, assim como de animes, com a chegada da Crunchyroll.
E a criação de catálogos de animes nas plataformas mais conhecidas não pode ficar de fora. Amazon Prime e Netflix, apesar do pouco conhecimento e cuidado especificamente com o público otaku, ainda tem títulos importantes que ajudam o público geral ocidental a conhecer um pouco das mídias japonesas.
Mesmo assim, o público otaku no Brasil é nichado, com alguns saltos que saem da bolha e atingem o público que gosta de séries norte-americanas ou filmes de ação etc. Esse cenário dificulta que as empresas tomem decisões e ampliem muito o mercado. Não à toa, temos muitos mangás da Jump e shonens famosos, mas temos escassez de mangás para públicos diferentes.
Para contextualizar melhor esse debate, a Japan House abriu seu espaço, aproveitando que a mostra de Naoki Urasawa está em cartaz, para reunir diferentes responsáveis pelo mercado otaku no Brasil. Primeiro tivemos o bate papo com as editoras, e depois com as licenciantes de animes e artigos otaku.
O Mais de Oito Mil cobriu ambos os eventos, mas o que tornou o debate ainda mais rico sobre inovação do público foi a conversa entre as empresas que trabalham com artigos otaku e animes. Nessa mesa redonda, o Paulo Facchini, gerente comercial da PiziiToys, disse que “o brasileiro gosta de lembrar do passado”.
Portanto, termos várias idas e vindas de grandes sucessos do passado é uma maneira que as empresas possuem mais conforto de negociar e vender no Brasil. Porém, assim como o próprio texto linkado diz, essa zona de conforto tende a estourar daqui um tempo. Não é pra sempre que CDZ, Dragon Ball e Sailor Moon vão vender horrores e serão os carros-chefe da cultura pop japonesa.
Grandes empresas de merchandising e produtos de obras japonesas ainda estão no caminho para entenderem melhor nosso mercado e o público brasileiro, mas temos alguns passos dados, como as camisetas oficiais da Piticas, em parceria com a Angelotti. Mas, como qualquer mercado, o produto original é o primeiro passo para a gente entender o público.
Mangás como o primeiro passo
Já foi-se o tempo de lançar mangá sem nenhum planejamento só porque a editora japonesa quer vender um título de forma barata. Bem, ainda deve acontecer, mas certamente hoje, com a situação econômica brasileira, não é uma decisão muito sábia.
Para terem uma ideia, Marcelo Del Greco já falou em palestras de editoras que a primeira edição de Gunnm (Alita) veio para o Brasil como barganha para eles lançarem outra história que queriam. Mangás muito desconhecidos acabam vindo para o Brasil pois a licença é bem mais em conta do que títulos mais certeiros ao público.
E com isso vemos coisas muito absurdas, sem nenhum teste ou planejamento de marketing para saberem se o título será bem-vindo ou não. Não à toa, antigamente a Panini fez escolhas terríveis lançando tantos shojos de romance escolar, que hoje o público médio acha que shojo é definido por romance escolar (botando Nisekoi no balaio de shojo).
Atualmente as empresas podem ter mais preparo para analisar o mercado e escolher melhor as obras que serão traduzidas. As ferramentas de marketing digital são importantes para ver o público online. Existem pagas e gratuitas.
O mercado tá bem amplo e é difícil citar apenas uma ferramenta, mas o próprio Google facilita (e bastante) maior engajamento das marcas com o público. Facilita para o bem e para o mal, vide o crescimento de fake news e problemas que chegaram ao campo político. Nele é possível acessar e aprender mais sobre dados e audiência, principalmente utilizando as ferramentas Tag Management, Google Trends, Google Analytics e Google Search Console.
E depois de entender integralmente cada uma dessas plataformas, há ainda outras privadas que oferecem outros serviços de marketing, como análise de concorrentes, keywords mais fortes no seu setor na Internet, como melhorar a navegabilidade de seu site, seus conteúdos e muito mais. Se cada editora investisse mais em marketing, mais certeiros seriam, mas normalmente é o primeiro setor a ser cortado em uma crise.
Não, não vou ser catastrófica e dizer que as editoras não fazem nada. Fazem sim. Estão tentando mudar um pouco em uma época difícil como a nossa, e já falamos sobre isso aqui no Chimichangas. Mas ainda há o que fazer, pois as editoras de mangás e licenciantes de animes são a primeira escala para o mercado sentir se algo a mais pode ser feito (figures exclusivas, camisetas, artigos de decoração, objetos pessoais etc).
Mas, as editoras não são tão grandes como as licenciantes de animes, e aí a responsabilidade é ainda maior de manter o cenário ativo e a comunidade participativa. Até porque, muita coisa que se torna anime, vem primeiro do mangá. E aí, o mangá que deveria vir primeiro aqui?
Bem, há ressalvas. É importante as editoras terem dados de pesquisa e audiências das grandes empresas de streaming que possuem anime. “Como que faz uma parada dessa?” Dados internos e confidenciais podem ser negociados (e aí é claro que há cláusulas específicas de acordo com a negociação). E há dados que são “públicos”, que podem ser absorvidos pelas plataformas de marketing digital.
Porém, é possível fazer alguns desses planejamentos também com as empresas japonesas ou licenciantes ocidentais (como a Viz). Não é algo que se consegue do dia pra noite, mas também não leva anos para serem obtidos, como acontecia lá na década de 90. Para iniciar algo assim é fundamental ter um setor de marketing que vai além das decisões gráficas e de publicidade off (sem serem em esquemas digitais).
Assim fica mais fácil entender onde há público LGBT que consome mangá ou otakice. Onde há público feminino para trazer mangás específicos, assim como crianças, mães, pais, etc. O público não surge do nada e sozinho. Além da comunidade se auto sustentar, as empresas também criam público para o mercado de mangás.
Entenderam que assim se erra menos, e fala menos achismos em palestras de eventos? Infelizmente ainda falta um pouco desse profissionalismo nas editoras, ainda muito preocupadas com questões gráficas e de preço, mas pouco em renovação de público. Nesse sentido, as empresas alternativas, como a Piizy Toys, já tem uma visão mais adiante e projeta algo organizado para o futuro.
Onde explorar?
E aí que vem a grande questão, como fazer as coisas acontecerem? Explicamos como as editoras podem começar internamente, mas também há formas mais práticas e diretas de atingir um público diferente. E não apenas uma forma. Há várias para aquecer e melhorar o mercado de mangás.
Eventos geeks e otakus
Os eventos acabam sendo muito importantes para mostrar a marca e ganhar a confiança do público. As editoras estarem presentes apenas em eventos otakus não pode mais ser a única ação a ser feita. Anime Friends e Ressaca Friends são legais? São. Mas, para terem noção, a JBC preparou um stand apenas de sua loja no Anime Friends de 2019. Pra não ser injusta, tinha a clássica moto de Akira, mas que eles já usam desde 2016.
Tirando isso, zero ambiente de interação, entrevista, ou participação da comunidade. Eles investem mais em coisas criativas na CCXP, com stand maior e mais decorado.
Ao contrário da New Pop, que sempre faz o possível para criar algo a mais em seus stands. Por vezes trazem autores, acessórios especiais para o pessoal comprar, como copos, camisetas e afins, e também cria um espaço para o pessoal tirar foto e interagir com o cenário. Digamos que isso deveria ser padrão.
A Panini sempre está nos eventos literários, pois não vende apenas mangás, mas uma porrada de outros quadrinhos e a Turma da Mônica. Assim, sempre veremos eles nas bienais, eventos menores de quadrinhos e os eventos geeks, como a própria CCXP e BGS. Porém a Panini não têm uma independência em setores, e o setor de mangá não é muito explorado.
Por isso é difícil vermos painéis de debates específicos no stand da Panini nesses eventos, assim como a vinda de autores aguardados, ou qualquer outra coisa minimamente interativa com a comunidade otaku. Bom, é legal que a ideia seja vender mais nesses eventos, mas pensar na experiência do usuário (rs) é legal também.
Há ainda os eventos de editoras. A NewPop tem o NewPop Day todo ano, em que falam um pouco dos avanços da editora, como foi o ano e o que vão trazer para o futuro, assim também como há mais espaços para debates. Os debates são interessantes para fomentar a comunidade, e é quando a editora até convida pessoas influenciadoras do meio para participarem. O que é bem legal.
A JBC também possui o Henshin+, em que fazem algo parecido com o que a NewPop faz. Porém ambos os eventos anuais acontecem em São Paulo, o que dificulta um pouco a participação massiva e de um público mais amplo.
Assim, o ideal é que as empresas preparem o evento também para ser transmitido ao vivo por suas redes sociais, para evitar que os blogs e sites especializados em cultura pop japonesa fiquem twittando em tempo real o que está acontecendo no evento e foquem em criar conteúdos mais relevantes.
Análise de outros mercados
Essa é uma realidade que tem acontecido, com todas as editoras trazendo algumas light novels como teste de aceitação do público. Panini com Sword Art Online, JBC com Overlord e NewPop, a pioneira, com No Game no Life, Fate/Zero e Re:Zero (tem mais que isso).
As novels são interessantes para ver outro público inserido no cenário otaku. É o mesmo o que ocorre com mangás yaoi e yuri. Mas, tem públicos maiores que podem ser mais conquistados: os leitores de livros e HQs ocidentais. Não adianta só comprar a licença e lançar achando que todas essas pessoas conhecem mangás, a editora que lança mangás e a história que pode agradá-las.
Aí voltamos para os outros tópicos, como maior investimento em marketing digital, presença em eventos, participação com a comunidade (redes sociais) e assim por diante. Não tem como fugir disso. Tem que fazer o arroz com feijão.
Mas hoje mesmo temos mangás que têm potencial enorme de cair na graça de gente que gosta de Senhor dos Anéis, Game of Thrones, Watchmen, Batman, X-men e assim por diante. Até mesmo aqueles romances água com açúcar podem ser bem analisados para criar estratégias diferentes de títulos de mangás que cheguem a esses tipos de públicos.
Valorização dos influencers e criadores de conteúdo
Parece ser um pouco invejoso (?) falar isso, pois o Chimichangas é um site composto de criadoras de conteúdo. Mas não é isso. A NewPop é a única editora que respeita e tenta tratar os criadores de conteúdo de forma profissional e séria. Editoras que trabalham com menos títulos de mangás ainda são difíceis de analisar, mas a que se sai melhor é a própria Devir.
Infelizmente trabalhar com jornalismo otaku é difícil e não há espaço para ganhar dinheiro com isso, a não ser que você tenha um canal do YouTube relativamente grande (e que não seja de jornalismo e sim de análise de histórias mainstream), ou um Podcast que traga um retorno via crowdfunding.
Ainda falta a profissionalização dos sites? Sim, mas como criar isso do zero se o trabalho não traz um retorno e não há nenhuma empresa midiática maior preocupada com esse nicho? A maioria dos portais, blogs e criadores de conteúdo fazem o trabalho por hobby. Valorizar as pessoas que criam e perdem horas do seu dia para criar algo relevante é o mínimo.
Algumas dicas:
- Chamar para eventos;
- Criar planos de marketing que incluem os influenciadores (e não é só mandar o volume 1 do mangá e esquecer pra sempre do influencer, tá?);
- Facilitar o acesso dos influenciadores que querem fazer entrevistas, podcasts e outras formas de conteúdo com os profissionais da editora;
- Newsletter semanal específica para os criadores de conteúdo;
- Checklists em dia e bem atualizados;
- Brindes que podem ser sorteados com a comunidade.
Por vezes é muito interessante focar em grandes nomes da mídia geek, mas também é preciso ser cirúrgico e entender onde está o público do mangá que quer vender e divulgar. Será que está mesmo nas grandes mídias? Os criadores ajudam no processo, e há muito o que se pode fazer com influencers menores. Ações com médio e micro-influenciadores são relativamente mais baratos do que grandes ações de marketing, e podem trazer um retorno muito mais positivo.
A criação de conteúdo hoje é uma das coisas mais importantes e que trazem retorno a médio e longo prazo. O conteúdo em texto traz engajamento e força em SEO. O conteúdo em vídeo aproxima o público, que quer seguir mais o influencer e admirá-lo. Os podcasts aprofundam debates significativos no cenário. Todos os conteúdos são importantes.
As editoras, além de terem seus próprios canais, devem ajudar a profissionalizar os influencers e criadores de conteúdo. Ainda não entendo porque as editoras não possuem blogs que apresentam melhor as histórias que vendem. Isso é o básico de uma empresa que encontra seu público no meio digital. E ao mesmo tempo dá oportunidade de mercado a quem estudou Letras, Jornalismo ou mesmo Publicidade e Marketing.
Além disso tudo do texto, certamente há caminhos a serem pensados e planejados, e a gente não precisa quebrar tanto assim a cabeça para achar novos públicos. Os planos podem parecer imediatos, mas podem ser divididos para organizar melhor as editoras como empresas, durante 1 ano inteiro.
A comunidade mais presente
Sim, as editoras podem dar dicas para quem é da comunidade para melhorar o mercado como um todo. O próprio Chimichangas tem um texto em que dá 3 dicas de como iniciar alguém no mangá. A comunidade é ativa, participativa e quer falar sobre as histórias que gosta!
Ainda é um público jovem, que tem dificuldades de explicar o que é mangá para pessoas mais velhas. Mas o produto em si é flexível e serve a todos os gostos. Um idoso pode adorar uma história como “Nonnonba” ou até mesmo um tiozão fissurado em história de terror/horror pode adorar “Uzumaki”!
Nada deve ser descartado, então quanto mais as editoras conversarem com a comunidade, mais fácil vai ser para ampliar o mercado.