Os leitores assíduos de mangás vivem um ciclo de discussões de alguns anos sobre o mercado editorial. Discussões essas que permeiam os preços dos mangás, logística de distribuição do produto e anúncios de novos títulos no país. Acontece que desde 2015 as editoras de mangás passam por alguns problemas sérios.
Em 2015 e 2016 muitas discussões foram sobre preço do papel, que subiu muito, encarecendo os serviços gráficos, e também a má distribuição de mangás no Brasil. A JBC fez alguns vídeos sobre esses temas, e também todas as mesas redondas de editores passavam por esses assuntos.
Hoje o Brasil ainda possui alguns problemas de distribuição, mas alguns anos atrás isso era ainda pior. Diversos mangás não chegavam nos locais mais distantes, fora de São Paulo/Rio de Janeiro, e se chegavam, eram muitos meses depois. Isso nas bancas de jornal.
Já o papel é um pouco mais tranquilo. Entre 4 e 5 anos atrás, as editoras passaram a trabalhar com diferentes tipos de papel. Isso significou um trabalho gráfico diferente e mangás mais caros, naturalmente. Em 2015 teve ainda a crise do papel usado para mangás, e isso mudou um pouco os cronogramas das editoras e pior, uma mudança clara no trabalho gráfico que a comunidade começou a se incomodar.
Passaram-se esses problemas, 2017 e 2018 tivemos o crescimento da Amazon, a Saraiva e a Cultura começando a quebrar de vez, Fnac sumindo do mapa, e isso aí dificultou muitas coisas. NewPop deixou de vender em bancas já há alguns anos, pois o mercado de bancas de jornal está indo de mal a pior.
Cheguei a fazer um texto sobre a Saraiva aqui no Chimichangas, pois o plano de recuperação judicial foi aprovado finalmente agora em 2019, porém essa história está presente desde 2018. A PublishNews conseguiu fazer um resumão do mercado editorial de 2018, o que facilita essa noção dos problemas enfrentados pelas editoras de mangás.
Sem as principais lojas online e físicas do Brasil, e a queda drástica de bancas de jornal, como que as editoras lidariam com isso para vender seus produtos? E é aí que entra a ideia deste texto. Como as editoras lidaram com essas realidades e o que ainda falta melhorar.
A saída criada pelas editoras de mangás
Como dito anteriormente, a NewPop deixou de trabalhar com as bancas de jornal para trabalhar com as lojas especializadas. Tempos depois, a editora lançou sua loja online, o que facilitou bastante o acesso aos materiais da editora. Como a distribuição estava precária e problemática para as bancas, as lojas especializadas começaram a surgir com mais força e abocanhar esse espaço.
Hoje, no Brasil, não há lojas apenas físicas em locais mais afastados e cidades do interior. Algumas lojas online surgiram para atender a todo Brasil, preenchendo a falta da Saraiva e Livraria Cultura. Não dá para citar todas as lojas neste texto, mas há um conteúdo sobre essas lojas aqui no Chimichangas. Algumas lojas vendem quadrinhos de todo jeito, outras apenas mangás, e ainda há lojas maiores que trabalham com outros produtos da literatura.
A partir desse crescimento das lojas especializadas, as editoras de mangás começaram a trabalhar de forma mais direta e especializada na comunidade.
Ações da NewPop
A NewPop sempre trabalhou com títulos mais nichados, como o boys love, hentai e yuri, mas alguns mangás bem famosos também deram uma sobrevida à editora, como Koe no Katachi, No Game no Life, Re:Zero e GTO. Além disso, a editora começou parcerias muito mais bilaterais com lojas especializadas, abrindo mais as opções de compra.
Recentemente, a editora fez o NewPop Club para reforçar a preocupação com os consumidores mais próximos e ativos, que poderão ajudar financeiramente a editora na campanha de reimpressões, e novas licenças. Assim como muitas outras campanhas de crowdfunding, o usuário pode contribuir com valores pequenos ou maiores, cada valor valendo certas recompensas.
Ações da JBC
A JBC, a partir de 2018 (se não me engano), passou a mudar a maneira de distribuir os seus mangás. Ao invés de lançarem um único volume mensalmente, começou a trabalhar com pacotes de 2 ou mais volumes no mesmo mês. Foi uma medida para enfrentar a crise econômica.
A mudança fez a JBC abandonar as assinaturas. Além disso, a editora, assim como a NewPop, passou a trabalhar mais com a Amazon e as lojas especializadas, tentando escapar da dor de cabeça da distribuição para bancas de jornal, muito mais complicada e de difícil logística.
Ainda quando Cassius estava na JBC, ele falava bastante do crescimento dos eventos, e a partir deles dava para mostrar os produtos ao consumidor diretamente, criar ofertas e brindes exclusivos, assim como ter uma comunicação mais direta. Como colunista do PublishNews, Cassius chegou a citar os principais eventos que as editoras de quadrinhos estão presentes, e é nesses momentos que a comunidade pode entender melhor o mercado editorial.
Recentemente a JBC também abriu sua loja física em São Paulo, a Japorama, mas com grandes expectativas de que essa loja se torne online também, assim como a NewPop e a Panini. A loja fica localizada no bairro da Vila Mariana, em São Paulo, e a partir disso a JBC passou a trabalhar com um estoque muito maior do que antes, quando focavam a distribuição via bancas de jornal.
Agora, tanto a NewPop quanto a JBC trabalham como empresa principal que possui um sistema de estoque. Assim, as lojas especializadas, sejam elas grandes livrarias ou não, fazem pedidos DIRETAMENTE para as editoras, e não mais com a Dinap (Distribuidora Nacional de Publicações), como era na época das bancas de jornal.
Bom lembrar ainda dos mangás digitais, que a JBC foi pioneira e todo mês tem alguma novidade para as plataformas e-readers (Kindle, Kobo, tablet e smartphones). Também já falamos no Chimichangas sobre os benefícios do mangá digital, que também se tornou um produto para combater a complexa distribuição de produtos no Brasil.
Ações da Panini – Planet Mangá
A Panini sempre foi a maior editora no país e tem apelos comerciais enormes de quadrinhos, detendo os direitos da Marvel e DC. Porém a editora possui um setor próprio para lidar com os mangás, o que muda de figura na hora de pensar em ações de marketing. Nesses anos todos a Panini patina em certas decisões e comunicação com a comunidade, mas também fez algumas coisas.
Discretamente a Panini passou a trabalhar com muitos tipos de produtos gráficos, então junto da JBC, as variações de preços são bem maiores hoje. Mesmo com as diversas críticas sobre o valor dos mangás (que realmente é alto), a Panini tem um artifício que a favorece mais: uma loja online própria muito maior e mais articulada para atender o público.
Mesmo que a Loja Panini tenha problemas (vish, aqui são vários casos), nos últimos 3 anos a loja mudou. A editora investiu em uma plataforma mais atual e moderna, o que facilitou as compras e a comunicação com o setor de compras. É sério, gente, antes era muito mais desorganizado e terrível de navegar e comprar os mangás.
Entre as principais concorrentes, a Panini tem a melhor loja e mais organização para mandar ofertas ao seu e-mail e fazer também descontos em épocas específicas. As reimpressões, por exemplo, vão para o estoque da loja, e isso facilita bastante na hora do consumidor achar os volumes raros e esgotados.
Fora isso, a editora pouco fez, e aí a gente cai para outros problemas que também devemos nos atentar.
O mercado de mangás tem como melhorar?
Essa pergunta é a total representação da cereja do bolo nas discussões no nicho. No dia 7 de novembro, a Japan House fez uma mesa redonda com as editoras de mangás para discutir o mercado atual do Brasil. No atual momento, a Japan House está com uma mostra do Naoki Urasawa, autor de sucessos como Monster, Pluto, 20th Century Boys e Billy Bat.
E é impressionante como as mesas redondas de hoje se parecem com as discussões de 2015, quase 5 anos atrás. Tudo parece estar muito confortável e inerte nas redações, como se todo o possível já tivesse sido feito. Essa lentidão das empresas entenderem melhor o mercado e a comunidade traz críticas muito bem pontuadas, como no próprio texto do Mais de Oito Mil, sobre essa mesma mesa redonda da Japan House.
O mercado editorial mudou nesses últimos 4 anos, e não foi pouco. Apesar das crises das editoras com grandes livrarias (faladas no início do texto), os livros não morreram. Tivemos ações extremamente potentes como a da Bienal do Livro do RJ, em que cerca de 14 mil livros de temática LGBT foram doados aos participantes que quisessem.
Tivemos a Poc-Con, PerifaCon, e uma discussão muito mais presente sobre acesso à cultura, com críticas ao fechamento do Ministério da Cultura e a presença do tema do Enem sobre democratização do cinema. O momento é bem crucial para criar novos consumidores, a criar ações de marketing que chamem atenção de outros potenciais leitores.
Os debates sobre preços de mangás, sobre tipo de papel e lombada já estão batidas. A ideia é falar sobre novos consumidores. Se temos potenciais leitores de quadrinhos LGBT’s, porque as editoras não pensam melhor nas estratégias para temáticas diferenciadas?
Se a PerifaCon foi um sucesso e com ótima receptividade do público, porque não pensar em estratégias de democratizar mais os quadrinhos? Precisamos mesmo de edições de luxo de quase R$100? Capa dura? Pensar apenas em reciclar clássicos dos anos 90? Ainda há muito o que pensar e debater sim, senão nosso mercado vai ficar para trás de mercados concorrentes recentes, como México e Argentina, e tudo por comodismo.
Fica aqui também outro texto de Cassius Medauar, em que ele explica como os prêmios nacionais, como HQMIX e Jabuti, são importantes para o mercado como um todo. Não é apenas prestígio, mas também traz confiança para as editoras buscarem novos formatos, novas histórias e estratégias.
A sociedade vem ficando cada vez mais antenada e crítica no que consome, e quanto mais próximo as editoras de mangás ficarem da comunidade, melhor vai ser para entender e analisar (via dados também, afinal já temos uma cacetada de ferramentas de mkt digital para isso) os novos caminhos.