Estúdios de animação conseguem se destacar trazendo uma proposta diferente de animação e o estúdio Shaft é um deles. O estúdio consegue trazer uma diferença bem perceptível em seus animes, quando comparados a outras animações tradicionais japonesas. Sendo assim, um desses elementos de diferenciação é sua fotografia, baseada em diferentes ângulos e trocas de planos.
O estúdio Shaft foi fundado em 1975 por Hiroshi Wakao. A empresa originalmente foi fundada para pintar animações, mas posteriormente começou a trabalhar nas produções de animes, como um subcontratante. A primeira série de anime produzida pela Shaft foi Yume kara, Samenai em 1987. Após a aposentadoria de Hiroshi Wakao em 2004, Kubota Mitsutoshi tornou-se o diretor do estúdio Shaft. Para novas decisões do estúdio, o grupo de pintura do estúdio foi reduzido para que o grupo digital fosse fortalecido. O estúdio também começou a se esforçar para adaptar mangás e light novels aclamadas.
Um dos nomes responsáveis pela animação e fotografia dos animes do estúdio é Akiyuki Shinbo. Ele é um dos animadores um dos responsáveis que estabeleceu o estilo da Shaft,. Seu trabalho no estúdio se caracteriza por experimentações dentro do meio visual de animação, como reforça Nick Creamer no site Anime News Network (2017). As produções frequentemente incluem fotos tiradas da vida real, textos escritos em oposição ao diálogo. Uso também preciso do fanservice e, a principal marca do estúdio Shaft, o uso da inclinação da cabeça das personagens.
Desse modo, vamos analisar como é trabalhado especificamente os planos e alguns elementos que compõem a fotografia nos animes do estúdio Shaft, tentando entender como a fotografia é um dos elementos importantes para a criação de um anime. Além do mais, vamos entender como o estúdio Shaft se destaca com seu trabalho da fotografia e como o trabalho do animador Shinbo se tornou a característica principal do “Estilo Shaft”, seguido por vários outros animadores, como Shin Ōnuma e Tatsuya Oishi.
Como funciona a fotografia nos animes?
O papel do diretor
Em obras audiovisuais tradicionais, o diretor de fotografia é encarregado de supervisionar toda a equipe de filmagem. Ele é o responsável pela forma que o roteiro será adaptado para a linguagem cinematográfica, tentando passar uma visão estética para sua equipe e propondo que planos poderão ser usados para a gravação do filme.
Em animes a proposta não é, necessariamente, diferente de outras obras audiovisuais. Na realização da pré-produção do anime, o diretor encarregado da animação busca um consenso com o responsável pela animação do projeto sobre qual é a melhor forma para animar o roteiro. Muitas vezes, o próprio diretor do anime é o animador principal. Bakemonogatari (2009), um dos animes do estúdio Shaft, por exemplo, foi dirigido pelo próprio Akiyuki Shinbo, que também foi encarregado da animação, junto com Tatsuya Oishi.
Storyboard e criação dos layouts
Na questão técnica do anime, o diretor cria um storyboard para expressar suas ideias baseadas nos scripts feito pelos roteiristas. O diretor necessariamente não precisa desenhar o storyboard, mas ele precisa participar ativamente nesse processo para transmitir suas visões no desenvolvimento do anime. Com os storyboards concluídos, os animadores elaboram então os primeiros layouts.
Composição da arte do background
Desse modo, depois dos layouts aprovados, eles são digitalizados para fazer a composição dos quadros no computador. Eles são coloridos com uma paleta de cores definida pelo encarregado pela arte do anime. Depois de coloridos, é aqui que o departamento de fotografia tem um de seus trabalhos principais, onde eles vão produzir processo de composição da arte do background e a captura da animação digital é referido como filmagem. Os objetos em CG (imagens geradas por computadores) e efeitos (como luz de ambiente, sombras, brilho de algum objeto, borrões…) são também adicionados nesta parte do processo.
Então, depois desse processo todo, o anime pode seguir para a pós-produção. Todo esse tema sobre como funciona uma produção de um anime já foi comentado aqui no Chimichangas, relacionando com o anime Shirobako (2014), do estúdio P.A Works, que tem a proposta de mostrar como funciona o trabalho em um estúdio de anime.
Em suma, hoje o maior desafio da fotografia é a composição com animação 2D e 3D, com uso do CG, onde os animadores buscam criar uma sensação de espaço e profundidade que faça sentido para nós e não que fique desigual. Hoje os elementos da animação são combinados por meio de software, como reforça Washi em seu texto sobre Profundidade em Anime (2017). É preciso “lidar com as várias camadas, movê-las entre os quadros e lidar com a iluminação e os efeitos.”
A fotografia nos animes do estúdio Shaft
Estilo Shaft: A marca do estúdio
Cada estúdio possui uma identidade visual, utilizando-a como ferramenta de comunicação com o espectador, para então chamar-lhe a atenção. Desse modo, um dos primeiros pontos que podemos analisar na animação da Shaft, ao construir a identidade do estúdio, é o uso da inclinação da cabeça das personagens de seus animes.
Por mais que isso tenha se tornado uma marca para o estúdio, ao se relacionar ao enredo, as personagens que fazem esse tipo de movimento no anime tem uma certa posição de poder. Podemos citar a própria Hitagi Senjougahara, em Bakemonogatari, uma das primeiras personagens que realiza esse movimento. Ao inclinar a cabeça, ela se mostra uma personagem com poder em relação ao protagonista do anime, Koyomi Araragi. Ou também em Nisekoi (2014), onde mesmo que proposta desse movimento não é tão usada frequentemente no anime, ainda temos algumas personagens que fazem isso, como a própria Marika Tachibana, uma das personagens que mais se destaca pela sua forte personalidade.
Outra questão muito interessante na fotografia são os Big-Close usados nos personagens. Big-Close, ou primeiríssimo plano, é quando a cena é enquadrada dos ombros para cima do personagem. A proposta usada desse plano é causar um forte apelo dramático e até íntimo da personagem. É um plano que foca totalmente na expressão da personagem.
Saindo um pouco dos planos e comentando da parte de efeitos, outro ponto forte que os animes do estúdio Shaft apresentam é a questão da iluminação. Um bom exemplo de uso dos efeitos de iluminação é quando Madoka se transforma em uma garota mágica e faz suas missões no anime Puella Magi Madoka Magica (2011).
Outra questão que ganhou muito destaque são as cenas coloridas com textos em Bakemonogatari. A ideia foi uma solução ao se produzir um anime com baixo orçamento. Assim, as telas coloridas, que apareciam no começo dos episódios para mostrar o que poderia ser abordado ou que apareciam com a proposta de ter uma oposição ao diálogo, conseguiram chamar a atenção do espectador.
Profundidade cinematográfica e composição plana
Existem formas que a fotografia pode se comportar durante o desenvolvimento das cenas. Nos animes do estúdio Shaft, podemos citar dois tipos: a profundidade cinematográfica e a composição plana.
Primeiramente, a técnica de profundidade é feita com o intuito de transmitir a sensação de sentido a realidade. A ideia então é que “essas cenas durante o anime parece estar ocorrendo em um mundo natural tridimensional e encorpado, apresentado de uma forma que o público se sinta atraído.” (WASHI, 2017).
Desse modo, o anime tentará, por meio de uma fotografia, criar uma profundidade visual com camadas. Podemos ver essa proposta em alguns planos do anime Nisekoi. O corredor do colégio que parece não ter fim e gera, dessa forma, a sensação de infinito (figura abaixo).
Por outro lado, Monogatari e Madoka Magica, não exploram tanto as cenas de profundidade. Principalmente no caso das cenas de luta, os animes possuem uma composição plana, em que a sensação da profundidade entre as camadas é suprimida. Essa proposta, em animes da Shaft, pode-se levar a ideia que nossa atenção foque ao plano que a cena está passando.
Podemos então chamar até essa proposta de super plano, termo criado pelo artista Murakami, “onde esse movimento artístico se destaca pela beleza da profundidade achatada” (WASHI, 2017). Em Monogatari, podemos ter essa ideia de alguns superplanos durante o anime. Temos a noção que possui camadas na cena, mas olhando de uma forma mais técnica, não tem um senso herdado de profundidade.
Linhas e formas geométricas
Trabalhar com o formato de linhas e formas geométricas pode trazer sensações para quem está assistindo, já que o olho humano naturalmente segue linhas e se conecta a pontos inconscientemente. Como por exemplo, as linhas horizontais podem transmitir tranquilidade e estabilidade a imagem, como a cena do anime Bakemonogatari , onde a linha horizontal é construída pelas grades e o prédio atrás (figura abaixo).
Já as linhas verticais podem ter outro significado. Muitas vezes, elas são usadas para grandiosidade e impacto. Isso acontece quando há uma centralização da imagem. Podemos citar a cena do anime de Sangatsu no Lion (2015). Rei Kiriyama, protagonista do anime, aparece centralizado no plano, criando uma linha divisória clara e bem definida entre os lados esquerdo e direito.
As linhas também influenciam o modo pelo qual o espectador vê a imagem. Além das linhas vertical e horizontal já citadas, também se utilizam outras regras que ajudam a compor a composição da cena como, por exemplo, a regra dos terços. Essa regra posiciona o objeto principal da cena ao ponto de encontro das linhas que dividem o plano em terços verticais e horizontais. Percebe-se na imagem abaixo do filme Fireworks (2017) como a protagonista está bem posicionada no centro da imagem.
Iluminação e cores
Falando mais afundo sobre a iluminação e as cores nos animes da Shaft, podemos entender que os animadores buscam criar diferentes vibrações nas camadas. Sobre a iluminação, em animes mais do cotidiano, como Nisekoi e Sangatsu no Lion, cria-se um clima referente ao que a cena quer passar, muitas vezes com um tom mais melodramático. Em animes com cenas de lutas, como Monogatari e Madoka Magica, os efeitos de iluminação tem em foco trazer a sensação de profundidade a essas cenas.
Em seus animes, Shaft busca utilizar uma paleta de cores pastéis brilhantes. As cores reforçam a atenção para os elementos que compõem os planos de fundo das cenas e enfatizam as cenas de luta, causando profundidade. Além de gerar profundidade a essas cenas, o contraste entre luz e sombra destaca a ação principal da cena.
Uso de imagens reais
O último elemento que vou citar é usada especificamente na série Monogatari e no anime Sayonara Zetsubou Sensei (2007), onde foi nesse anime que foi usado a primeira vez essa proposta pelo estúdio Shaft. A proposta desse estilo é trazer imagens reais, como pessoas e objetos reais. Isso para explicar, ou comparar, alguma situação que o personagem está explicando ou sentindo.
Exclusivamente, na série Monogatari, esse tipo de proposta é usada em flashbacks. Isso quando os personagens estão contando alguma história sobre eles mesmos ou alguma situação está sendo explicada para o público. No entanto, essa técnica é usada com moderação para garantir que Monogatari continue sendo um anime.
Outra marca do estúdio Shaft são os usos de objetos reais, especificamente placas de trânsito, muitas vezes para iniciar uma transição de cena ou aparecer em momentos que uma fala pode indicar uma oposição de fala. Por exemplo, a personagem fala que precisa parar, aparece uma placa de pare.
A importância de uma boa fotografia nas animações japonesas
Estúdios de animação japonesa conseguem deixar um marco em seus estilos nas produções de suas animações japonesas, seja em seu enredo, ou nas cores, na animação e, principalmente, na fotografia. Essa é um dos fatores que mais chama a atenção do espectador ao assistir o anime.
No estúdio Shaft, a realização desse feito não está apenas na fotografia. Assim, outros marcos do estúdio estão nos diálogos também, onde temos uma proposta mais expositiva. Sendo uma proposta narrativa que se diferente de outras animações japonesas.
Evidente que um estúdio de animação japonesa pode escolher um caminho mais tradicional e criar uma fotografia mais comum para produzir seus animes, considerando restrições de orçamento ou de tempo para produção. Mas é claro que estúdios que possuem uma boa fotografia e detalhes técnicos, como o estúdio Shaft, ou até estúdios como a Kyoto Animation e Ufotable, acabam por ser os estúdios favoritos entre os fãs de animação japonesa, exatamente pelo uso diferenciado e apurado das técnicas de produção.