Recentemente o filme “O Poço” tem levantado muitos questionamentos e discussões pela internet a fora. O filme espanhol foi dirigido por Galder Gaztelu Urrutia e produzido pela Netflix. De modo geral, o filme é enigmático e deixa margem para as mais variadas interpretações possíveis. Contudo, o ápice de seu mistério acontece exatamente no final do longa.
O final aberto deixou pessoas intrigadas, curiosas e, inclusive, irritadas. Afinal, nem todo espectador gosta de um final sem explicação. Enfim, fato é que “O Poço” é um prato cheio para aqueles que se interessam pela subjetividade das coisas. Assim sendo, não demorou para surgirem na internet as mais variadas interpretações e teorias sobre o filme.
Breve resumo
O Poço é uma prisão, que também permite pessoas que voluntariamente decidiram passar um tempo de experiência ali. O protagonista Goreng é uma dessas pessoas. Com o objetivo de tentar parar de fumar, o personagem decide passar 6 meses dentro da prisão. Ao acordar em sua cama, Goreng logo conhece seu colega de “quarto”, Trimagasi.
A prisão opera basicamente como um poço de verdade, com vários andares. Cada um desses níveis abriga até 2 prisioneiros. No centro desses níveis uma plataforma desce todos os dias, carregando um verdadeiro banquete para que os detentos possam se alimentar. A questão é que, essa plataforma cheia de comida começa a descer a partir do primeiro nível, de modo que conforme vai parando em cada andar, os prisioneiros se alimentam como bem querem durante o tempo em que a plataforma fica parada.
Levando em consideração que o poço tem mais de 200 níveis de profundidade, conforme a plataforma vai descendo, cada vez menos comida sobra, de modo que toda vez que atinge os andares mais profundos já está completamente vazia.
Todos os meses os presos são trocados para andares diferentes e aleatórios, tornando possível que um detento que estava no nível 50 suba para o nível 2, por exemplo. Ou que um preso do nível 100 caia ainda mais e vá parar no nível 200. Nunca se sabe.
O filme traz claras analogias e metáforas com segregação, posições dentro da pirâmide social e disputa de classes. É interessante observar como de uma maneira ligeiramente simples são ilustrados problemas cotidianos e totalmente verdadeiros da nossa realidade.O Poço é um daqueles filmes que é mais fácil sugerir que a pessoa assista do que realmente ficar tentando explicar. Vários pontos são passíveis de interpretação subjetiva, mas aparentemente o que mais tem feito as pessoas debaterem na internet é o final.
AVISO: Daqui em diante o texto terá spoilers para quem não assistiu ao filme!
Algumas interpretações
Conforme a história caminha para o seu fim, vemos Goreng e Baharat descendo junto com a plataforma. A descida é conturbada e próximos do fim, os dois encontram a filha que Miharu vinha tentando procurar há tanto tempo. Baharat acaba morrendo e Goreng, também muito ferido, segue descendo para o que seria o último nível do poço.
No último nível, um lugar escuro, iluminado somente pelo buraco por onde a plataforma desceu, Goreng reencontra Trimagasi e o protagonista decide ficar para trás e deixar apenas a garotinha retornar para o topo junto com a plataforma.
Uma representação da passagem
Uma das principais interpretações feitas é a de que Goreng teria morrido durante o processo de tentar salvar a filha de Miharu e na verdade o último nível seria na verdade o encontro dele com Trimagasi no pós-vida. Isso explicaria o lugar todo escuro, com apenas um feixe de luz vindo de cima. A garotinha retorna para a luz, mas Goreng fica para trás, na escuridão da morte.
Um sacrifício pela esperança
Outra explicação seria a de que, muito embora o protagonista tenha conseguido encontrar e salvar a garota, o tempo vivido dentro da prisão teria sido suficiente para que este fosse corrompido por todas as coisas que foi capaz de fazer e o sistema imposto pelo poço.
Reconhecendo que estava perdido, Goreng teria abrido mão de retornar para a superfície com a menina. Sabendo que a filha de Miharu permanecia pura em seu coração, o gesto de Goreng simbolizaria a esperança de um novo ponto de vista, da possibilidade de uma mudança.
Fruto da imaginação
A terceira interpretação é a de que a última cena do filme tenha sido apenas fruto de um delírio de Goreng. Depois de travar batalhas intensas por vários níveis e ter sido gravemente ferido em uma delas, o protagonista teria passado a alucinar enquanto continuava descendo junto à plataforma. Por isso, seu encontro com Trimagasi seria apenas fruto de seu devaneio e ao descer da plataforma, Goreng teria sido condenado a permanecer no último nível até o fim de sua vida, ou do último mês de seu confinamento. O que viesse primeiro.
Mas e a tal da panacota?
É claro que as teorias e interpretações não deixariam de fora a panacota carregada por todos os níveis pelos dois personagens (Goreng e Baharat). De acordo com esse ponto de vista, a garotinha encontrada no final não existe, levando em consideração que ela é achada no nível 333 e estava aparentemente bem nutrida e limpa. Além disso, tem também a regra de que o poço não permite a entrada de menores de 16 anos.
Desse modo, a garota seria apenas mais um dos muitos delírios que Goreng tem antes de morrer. A existência dela seria para simbolizar a esperança e ela comer a panacota seria uma metáfora da esperança consumindo o símbolo. Em conclusão, a plataforma teria retornado para a superfície carregando somente a sobremesa intacta, ou seja, o objetivo foi atingido, a mensagem (representada pela panacota) foi entregue.
Mas se lembrarmos bem, há uma cena mostrada no meio do filme, em que vemos um o chefe de cozinha reunir seus funcionários e questioná-los a respeito de um fio de cabelo que foi encontrado na panacota.
Essa cena dá a entender que o chefe de cozinha chegou à conclusão de que a sobremesa foi deixada para trás pelos prisioneiros por causa do fio de cabelo, fazendo com que todos os esforços feitos para levar a mensagem até o topo do Poço tenham sido em vão. A lição moral seria a de que não importa o esforço feito por algo, aqueles que estão acima de você verão apenas o que quiserem.
A explicação do diretor
Em meio à todo o alvoroço provocado pelo filme, o diretor Galder Gaztelu Urrutia decidiu comentar o final do filme, em uma entrevista cedida ao site de entretenimento britânico Digital Spy. O diretor disse:“Certamente achamos que deve haver uma melhor distribuição da riqueza, mas o filme não é estritamente sobre o capitalismo. Pode haver uma crítica ao capitalismo desde o início, mas mostramos que, assim que Goreng e Baharat experimentam o socialismo para convencer os outros prisioneiros a compartilharem de boa vontade sua comida, eles acabam matando metade das pessoas que pretendem ajudar”
Em seguida, ele continua: “No final, o problema surge quando você tenta exigir a colaboração de todos, e você vê que não há grandes conquistas até o desfecho. Goreng faz o que ele se propôs a fazer ao trazer a panacota e a criança para o nível mais baixo. Mas ele não mudou de ideia sobre compartilhar a comida. Para mim, esse nível mais baixo não existe. Goreng está morto antes dele chegar, e essa é apenas sua interpretação do que ele sentiu que tinha que fazer”.
Galder Gaztelu Urrutia finalizou dizendo: “No final, eu queria que fosse aberto à interpretação, se o plano funcionou e os superiores se importam com as pessoas na cova. Na verdade, filmamos um final diferente da garota que chega ao primeiro nível, mas a eliminamos do filme. Vou deixar o que acontece com a sua imaginação.”
Em suma, filmes como “O Poço” estão aí exatamente para promover a discussão e fazer com que as pessoas reflitam sobre as metáforas, o simbolismo e todo o significado que o filme traz em sua história. Assim sendo, assista ao filme, converse a respeito com outras pessoas e tire as suas próprias conclusões. A cada um cabe a subjetividade que mais sentido lhe fizer. Nos vemos na próxima aventura!
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