Um filme que apresenta um excelente design de som faz com que o espectador tenha uma imersão com a obra. Assim, o som é um dos elementos importantes em obras audiovisuais e quando são bem feitos, acabam se destacando, tal como o filme The Secret World of Arrietty

The Secret World of Arrietty, ou seu titulo em japônes Karigurashi no Arrietty, ou O Mundo dos Pequeninos, é um filme do Studio Ghibli do ano de 2010. Foi o primeiro filme dirigido Hiromasa Yonebayashi e o roteiro foi feito por Hayao Miyazaki e Keiko Niwa

Um dos marcos do filme com certeza é a produção sonora, capaz de conectar o espectador com a obra e fazê-lo sentir o que está no filme. A trilha sonora também tem seu marco, com uma música cantada, que remete à narrativa das aventuras da pequena Arrietty. Em The Secret World of Arrietty, o som é um elemento complementar e também narrativo. Assim, vamos entender como foi a construção sonora do filme para que se complementasse com a narrativa da obra. 

Esse texto foi inspirado no episódio do podcast Midiático, onde comentamos da trilha sonora do filme The Secret World of Arrietty, e também outros pontos da obra, como narrativa e animação.

Enredo de “The Secret World of Arrietty”   

O filme foi baseado no romance de Mary Norton chamado “Os Pequeninos Borrowers”. É uma série de livros que acompanha a jornada dos Borrowers em suas incríveis aventuras enquanto eles seguem pelo imenso mundo à procura de segurança e liberdade. “Adaptar o livro para o cinema era um desejo de longa data tanto de Isao Takahata, quanto de Hayao Miyazaki, este segundo que, inclusive, contribuiu para o roteiro da obra.”

Acompanhamos a história de Arrietty, uma pequena garota de 14 anos de idade. Ela mora com seus pais no recesso do jardim de uma casa no subúrbio, sem o conhecimento do proprietário e de sua empregada. Mesmo Arrietty sendo bem pequena, ela não perde nenhuma aventura. Ela e a família são chamados de “coletores”, onde eles pegam itens do mundo humano, em que as pessoas não sentiriam falta, para assim ganhar a vida em meio às sombras.

Quarto de Arrietty

A existência dos pequeninos é desconhecida pelos moradores da casa até a chegada de Shou, um garoto de 12 anos. Shou tem uma doença rara de coração e vai passar as férias na casa de sua tia-avó. Entretanto, ele acaba descobrindo Arrietty em uma das noites de coleta da garota. Os dois começam uma amizade que nenhum deles poderia ter previsto. No entanto, essa é uma amizade repleta de perigos devido ao risco da descoberta de Arrietty e de sua família. 

Quando a empregada da casa resolve tocar no assoalho da casa, Arrietty e sua família são descobertos. Assim, eles devem escapar, mesmo que isso signifique abandonar sua própria casa amada. The Secret World of Arietty apresenta ao espectador uma visão do mundo humano de uma perspectiva muito menor, ou seja, pela visão dos pequeninos.

A produção sonora em “The Secret World of Arrietty”  

Efeitos sonoros ou foleys

Cozinha da casa da tia-avó de Shou

A ideia dos personagens serem pequeninos faz com que nós acompanhe uma história da perspectiva destes personagens, ou seja, de uma forma bem menor. Portanto, a construção dos efeitos sonoros (ou foley, de como chamamos na produção audiovisual) foi construída pensando nesta perspectiva que iremos acompanhar enquanto assistimos o filme. Assim, temos cenas que objetos que fazem barulho tem um som mais alto que o normal, o que faz sentido para aqueles personagens tão pequenos. 

Um exemplo é quando o pai de Arrietty e ela vão coletar o cubo de açúcar e um pedaço de lenço de papel para levarem para casa. Quando eles entram no quarto de Shou, um relógio antigo toca, fazendo um som bastante alto. Nesta cena, como estamos acompanhando os pequeninos indo em busca de coletar objetos, quando escutamos o barulho do relógio bem alto, faz sentido para nós, nos fazendo nos conectar com a narrativa e com aqueles personagens, assim sendo um som autêntico.

Quando Arrietty e o pai vão fazer a coleta

The Secret World of Arrietty, além de tudo, é um filme com uma animação bem detalhista. Os personagens tem conexão com os objetos do mundo dos humanos e para trazer essa importante relação, o som é um elemento bastante fundamental. Portanto, utilizando a mesma cena de exemplo, quando Arrietty e o pai vão coletar os objetos na casa, os personagens se preparam para fazer uma caminhada cheia de obstáculos. Eles utilizam fitas isolantes, por exemplo, que são coladas nos antebraços e nos sapatos para conseguir escalar móveis de madeira… Então temos o foley da fita cortando, sendo colada no corpo do personagem e sendo utilizada para escalar os objetos. 

Outra cena que tem uma animação bem detalhista que podemos citar como exemplo é quando Shou está no telhado, tentando entrar no outro quarto pela janela. Arrietty consegue entrar por um pequeno vão e escala até o trinco da janela. Ela escala pelas cortinas utilizando dois brincos e depois desce, rasgando-as. Aqui temos uma presença muito forte e bem feita dos efeitos sonoros, ou seja, o som da Arrietty andando pela janela de madeira, subindo pela cortina, abrindo o trinco e depois rasgando a cortina. Mais uma vez estamos submersos com a cena do filme. 

Trilha sonora 

A trilha sonora do filme também merece ser analisada. Ela se diferencia primeiramente por muitas vezes ser uma trilha sonora cantada. Assim, se formos parar para analisar a letra, vamos entender que a letra da música remete totalmente a narrativa do filme, se interligando com a jornada de Arrietty.

A primeira música cantada que temos no filme é logo no começo da obra, chamada “Our House Below” de Cécile Corbel. Acompanhamos Arrietty no jardim, onde ela pegou algumas folhas e está voltando para casa. Assim, há toda sua cena correndo para casa, e como ela, pequenina, interage com o mundo humano. Se analisarmos a letra da música, podemos ver como ela encaixa com a narrativa que vamos ser apresentados.

Meu pai trabalhou duro o dia todo

Vamos tomar chá juntos perto da lareira

E conversar por horas

Minha casa minha casa

É tão pequeno, tão bonito

Minha mãe meu pai

Nós somos família

Alegria em todos os lugares Recordações

Na casa que eu adoro

“Our House Below” de Cécile Corbel

A família de Arrietty, por mais que passe por dificuldades por conviver com o mundo humano, ainda é uma família unida. Eles vivem em uma casa pequena, claro, mas cheio de lembranças. Não só por conta da casa em si, mas pelos objetos que podemos associar com as coletas que eles fizeram durante os anos, ou seja, suas recordações. Por mais que talvez nós, espectadores, não prestemos totalmente atenção na letra que está sendo cantada durante a cena, é interessante analisá-la depois e ver como ela faz sentindo com a narrativa.

Um outro exemplo de cena que possui uma trilha sonora cantada é quando temos a apresentação da casa de bonecas pela tia-avó de Shou. A voz da música tem um impacto maior quando é revelada a cozinha da casinha, uma parte que vai ser importante depois para a obra. A cena continua, com Shou deixando um bilhete para Arrietty com uma flor, e depois, com ele deitado sobre uma plantação de flores. A música tocada aqui é “The Neglected Garden”, onde a letra fala sobre infância.

Assim, o filme é composto por trilha sonora cantada, ou suas versões instrumentais, ou apenas trilhas que foram feitas na versão instrumental. Sobre as trilhas apenas instrumentais, nas cenas que elas são tocadas, o objetivo é ajudar a criar algum tipo de clima e, então, criar sentimentos para o espectador nos momentos mais emocionantes.

O silêncio

Por mais que a obra tenha uma imersão sonora, cheia de efeitos e trilha sonora, temos momentos de silêncio em algumas cenas. Assim, o uso de silêncio em obras audiovisuais pode ser um componente sonoro usado para impactar seus espectadores. Em The Secret World of Arrietty, temos algumas cenas que temos apenas o silêncio, podendo ter um foley ou outro para a construção dos elementos técnicos da cena.

Umas das cenas que pode ser analisada é quando Shou e Arrietty se despedem. Antes, há um trabalho com o som nas sequências anteriores, como a família de Arietty caminhando pelo jardim, tendo barulho de folhas, e Shou ofegante correndo atrás deles, e depois, o uso da trilha sonora. 

Na cena da despedida, os dois se encaram e começam a conversar. Quando eles estão afastados, só temos o som da voz deles. A construção deste momento de silêncio é essencial para a relação de tal momento com os eventos sonoros à sua volta. O silêncio entre os dois, e ao redor deles, revela sentimentos que palavras, notas musicais e efeitos sonoros podem vir a expressar de uma forma mais direta. Assim, depois do momento de silêncio, Shou estende a mão para Arrietty e a mesma abraça o dedo do garoto. Temos um som de tato um pouco mais alto do que estamos acostumados, mas isso remete ao explicado anteriormente, ou seja, que o  filme se passa segundo a visão de Arrietty.

A importância do som em “The Secret World of Arrietty” 

Os efeitos sonoros das cenas do filme The Secret World of Arrietty são bem pontuais. Deixando o espaço para que aconteça a imersão do espectador através das camadas sonoras do filme. No filme, os foleys são usados para dar mais autenticidade para aquele “mundo dos pequeninos” na história. 

Já a trilha sonora, se analisarmos melhor a letra, é muito coerente com a história que está sendo contada. A trilha sonora cantada, quando funciona, ajuda complementar a história, tanto também com as trilhas sonoras instrumental, que ajudam a criar um certo sentimento na cena que ela é tocada. E também temos o uso do silêncio em certas partes do filme, que ajuda a passar alguma mensagem de sentimento ouque não precisa ser ditas através depalavras. 

Apesar de ser um filme de 2010, The Secret World of Arrietty só foi lançado recentemente no catálogo da Netflix. Se interessar, já analisamos outros filmes do Studio Ghibli, como A Viagem de Chihiro, O Serviço de Entregas de Kiki e Ocean Waves. E reforço, se tiverem interesse para uma análise mais completa da obra, seja desde a trilha sonora que comentei aqui, como também a narrativa, indico o episódio do podcast Midiático, que discutimos sobre The Secret World of Arrietty.

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