O livro Extraordinário, escrito pela autora R.J. Palacio e traduzido por Rachel Agavino, foi publicado no Brasil em 2013, pela Editora Intrínseca. Em razão do sucesso alcançado, deu origem a outros trabalhos dentro do mesmo universo: 365 dias extraordinários, Auggie & eu e Diário Extraordinário.
A escritora R.J. Palacio teve a obra Extraordinário como romance de estreia na sua carreira literária. Anteriormente, ela atuava como diretora de arte e designer gráfica, ou seja, cuidava dos livros de outras pessoas.
Vale mencionar que a ideia de Extraordinário surgiu num dia qualquer, mais especificamente em uma sorveteria. Lá, R.J. Palacio se deparou com uma criança com a síndrome de Treacher-Collins, doença genética que causa deformidade facial e outras complicações.
Na ocasião, estava com os dois filhos e ficou extremamente mexida com a situação, de maneira que refletiu sobre as dificuldades de conviver com as diferenças no mundo atual. A partir da leitura, fica clara a sensibilidade com o tema e a preocupação com um lugar melhor e mais gentil para todos.
Conhecendo o universo da estrela Auggie
Sinopse: A história de um menino de aparência incomum, mas de coragem e coração enormes: August Pullman, o Auggie, que nasceu com uma severa deformidade facial e agora, aos 10 anos, vai frequentar a escola pela primeira vez.
Um grande passo para qualquer criança e maior ainda para o garotinho cujo maior desejo é ser invisível. Mas Auggie, definitivamente, não nasceu para deixar de ser notado.
Enquanto tenta vencer seus medos e se integrar em um mundo completamente novo, sua presença desencadeia as mais diferentes reações – algumas boas, outras nem tanto, mas todas profundamente transformadoras. Um romance comovente, poderoso e impossível de ignorar. (Fonte: Intrínseca)
A primeira vez que fiquei sabendo do livro Extraordinário foi pelo excelente (e super recomendado, ainda que em hiatus) blog Livros, Letras e Metas, em 2013. Só consegui realizar a leitura em 2016, época em que cheguei a fazer um esboço de resenha para a obra, mas não finalizei.
A verdade é que li num ótimo período, pois sequer tinha visto ou ouvido falar sobre Star Wars e o livro é recheado de referências a série. Além disso, nesse longo período de tempo houve muito amadurecimento e mudanças, tanto de perspectiva quanto de aparência e de personalidade. Várias coisas aconteceram, dando a impressão de ter lido Extraordinário no tempo certo, sem peso algum na consciência pela demora.
Vale destacar que a leitura de Extraordinário trouxe saudades de diversos momentos. A título de exemplo, quando tinha um outro blog e era assídua com ele, trocando várias experiências literárias com outros blogueiros. Também senti falta do ensino fundamental, mesmo que só um pouquinho, em razão das amizades e das “facilidades” da infância.
Afinal, na história acompanhamos o Auggie indo para a escola pela primeira vez, isso por si só faz o leitor voltar no tempo. Começam os pensamentos de como foi a nossa experiência e de como será para o Auggie. Cria-se curiosidade e ansiedade para verificar como a situação será enfrentada por cada um (família, amigos e o próprio protagonista). Isso por causa da síndrome genética que o acompanha desde pequeno:
A barreira chamada diferença e suas dificuldades
“Os olhos dele ficam cerca de dois centímetros abaixo de onde deveriam, quase no meio das bochechas. São caídas, formando um ângulo acentuado, quase como se alguém tivesse aberto duas fendas diagonais em seu rosto, e o esquerdo é claramente mais baixo que o direito. E são esbugalhados, porque as cavidades oculares são pequenas demais para comportá-los.
As pálpebras superiores ficam sempre meio fechadas, como se ele estivesse adormecendo. As inferiores são tão caídas que até parece que um fio invisível as puxa para baixo: dá para ver a parte inteira, vermelha, como se a pele estivesse do avesso.
Ele não tem sobrancelhas nem cílios. O nariz é desproporcionalmente grande para o rosto, e meio largo. A cabeça dele é afundada nas laterais, no lugar onde deveriam estar as orelhas, como se alguém a tivesse apertado bem no meio com um alicate gigante. Ele não tem maçãs do rosto. Dois vincos profundos descem dos cantos do nariz até a boca, o que dá a ele a aparência de um boneco de cera. […]”
O livro tem muita reflexão, do início ao fim. É possível afirmar que as reações dos leitores provavelmente seriam seriam parecidas com as dos personagems que viam o Auggie pela primeira vez. Muitas das brincadeiras feitas pelos alunos eram de mau gosto e crueis, mas a pior parte é saber que na realidade isso também acontece. Maldade? Reação natural? Independente do motivo, é algo completamente equivocado.
É verdade, todos ali eram crianças e ainda não tinham muita noção da vida. No entanto, um dos problemas é justamente nesse sentido, de ser algo que não se discute em casa, até acontecer de “precisar” conviver. Assim, foi apenas quando o Auggie entrou na escola que as crianças levaram questionamentos para dentro de casa. Antes disso, ninguém havia conversado sobre alunos com necessidades especiais.
Com isso, a maioria dos pequenos recebeu um choque e um impacto negativos. Alguns liberaram um nível de maldade mais significativo e outros tentaram entender/aceitar as diferenças. Ocorre que pela ausência de diálogos e de exemplos, aliado ao primeiro contato com a respectiva síndrome genética, a maioria demonstrou estranheza, medo e repulsa.
No entanto, Extraordinário aborda o presente tema a partir de diferentes olhares. Como exemplo, os pais de alguns estudantes que não aceitavam que seus filhos interagissem com o Auggie. Ou então os amigos de infância do protagonista, os quais estiveram com ele desde o início e por isso nunca viram um “problema”, já haviam se acostumado, se “adaptado”.
“Eu gostaria que todos os dias fossem Halloween. Poderíamos ficar mascarados o tempo todo. Então andaríamos por aí e conheceríamos as pessoas antes de saber como elas são sem máscara.”
O conjunto da obra que torna tudo Extraordinário
O mais incrível de toda essa reflexão intensa é a narrativa que a autora usou em Extraordinário. É simples e marcante, fluída e convidativa, R. J. Palacio dialoga bem com os leitores, trazendo à tona a capacidade de entender os acontecimentos e de se colocar no lugar dos personagens.
Além disso, os capítulos são curtos, não havendo muitas descrições. A autora foca claramente em sentimentos e ao interior de cada personagem. Logo, quando menos espera, o leitor está preso na história, fascinado e interessado, devorando as páginas sem que perceba. É uma leitura cativante e nada cansativa, capaz de arrancar lágrimas e risos bobos do rosto.
Outro ponto-chave foi a autora trazer diferentes perspectivas. Por mais que o protagonista seja o Auggie, os outros personagens não foram deixados de lado. Há capítulos para cada um deles, capítulos que mostram uma pitada de como cada um reagiu ao conhecer o Auggie. Temos o contato com as primeiras impressões e mais tarde, o acolhimento, a transformação, a gentileza, a amizade, os conflitos internos e por aí vai.
Importante mencionar que até mesmo o diretor da escola foi marcante, principalmente no final. Ele aparecia pouco, mas sempre deixava algum gesto ou pensamento relevante na mentedo leitor. Ademais, era incrivelmente simpático e passava muita segurança quando entrava em cena, transmitindo amor e acolhimento de uma maneira muito significativa.
Personagens que são gente como a gente e mensagens inesquecíveis
Com tal modelo acredito que seja possível perceber o desenvolvimento único de cada personagem. Ainda há o acréscimo de se identificar com cada um deles em algum momento, bem como desejar ser e/ou pensar como eles. Além disso, você se pergunta: como eu agiria em uma situação assim? Que tipo de pessoa eu seria? Mas acredito que a pergunta certa, depois que você termina o livro, é: quem eu gostaria de ser? E o que eu farei para ser esse tipo de pessoa?
“Quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil.“
Outra coisa bem legal no livro é que sempre que começava uma nova parte, com outro personagem narrando, havia um desenho antes. No caso, era o rosto do personagem, que nem o do Auggie na capa, só que com o rostinho de cada um: do Jack (amigo do Auggie), da Via (irmã do Auggie) e vários outros. Junto do desenho há citações também, que representam um pouco do que o respectivo personagem irá enfrentar.
Devo afirmar que achei muito lindo e delicado, causando até ansiedade para chegar em novas partes, só para poder ver como seria cada um e para ler a frase que os acompanharia. E é claro, Extraordinário trata sobre inclusão, então era bonito ver que havia pessoas com gostos tão distintos e que, ainda assim, estavam aptas a mudanças – algumas mais profundas que outras.
“A única razão de eu não ser comum é que ninguém além de mim me enxerga dessa forma.”
Extraordinário é um livro impactante, que traz mensagens valiosíssimas. Recomendo para todas as pessoas, de qualquer idade. Como dito pelo Caíque, do blog Livros, Letras e Metas, “em meio a nostalgia, lágrimas e emoções afloradas, a autora me fez criança e ainda estou sem palavras para descrever o que sua narrativa me fez sentir. Nem todas as palavras do mundo proporcionariam-me oferecer 5% do quanto a estória de Auggie mexeu comigo. Desculpem-me desde já por isso.”
Os aplausos ecoaram no filme Extraordinário
Além do livro físico e da disponibilidade da obra por e-book, há o filme Extraordinário, lançado em 2017 no Brasil. Auggie foi interpretado pelo Jacob Tremblay, responsável por um belíssimo empenho e trabalho nas telinhas. E, claro, não podia ficar de fora a menção aos excelentes Owen Wilson e Julia Roberts, que fizeram o papel de pai e mãe do Auggie, respectivamente. Julia amou tanto o livro que ela pediu para ser escalada caso Extraordinário ganhasse adaptação.
Assim, a obra acabou sendo relançada, ganhando uma edição especial comemorativa, com conteúdo exclusivo e inédito relacionado ao longa. Recebeu um novo posfácio da R.J. Palacio, fotos dos bastidores e depoimentos sobre como participar do filme foi impactante. Portanto, caso não seja muito apegado a livros, saiba que o filme contempla todo o sentimento do material escrito, fazendo chorar e refletir com a mesma intensidade.
A título de curiosidade, e para enfatizar que “todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver”, tem-se que Jacob Tremblay visitou um hospital infantil, onde há crianças com a mesma síndrome do Auggie. A ideia era entender melhor pelo que elas passam e oferecer uma atuação fidedigna. Assim, elas contarem as experiências e ele deixou o material guardado em um fichário, lendo as mensagens antes das cenas mais intensas e dramáticas.
Antes de finalizar, reforço a indicação da Resenha do blog Livros, Letras e Metas. Foi ela quem me fez ficar interessada pelo livro e foi por causa dela que Extraordinário chegou até mim. Espero que essa postagem seja suficiente para despertar a curiosidade de vocês, mas há sempre uma segunda opinião, não é mesmo? E a do Caíque foi maravilhosa, do início ao fim, tanto que escrevi boa parte do presente texto com base nos comentários dele, pois concordo em gênero, número e grau.
“Toda pessoa deveria ser aplaudida de pé pelo menos uma vez na vida, por que todos nós vencemos o mundo.”