Pode parecer meio óbvio dizer quais as editoras trabalham com mangás no Brasil, mas, principalmente nessa década (2011 em diante), novas editoras apareceram (outras morreram). Toda essa mudança criou um novo gás para o mercado brasileiro, e alguma nova publicação pode passar batido pelos leitores mais jovens ou mesmo consumidores que querem conhecer mais. 

Pois bem, todo mercado gráfico tem seu começo, e com o mercado de quadrinhos japoneses não foi diferente. De forma tímida e escassa, alguns mangás foram publicados no Brasil na década de 1980 e 1990, mas foram raras exceções e não trouxeram um real pioneirismo. Foi o caso da publicação de Akira (republicado pela JBC hoje), pela editora Globo, em 1988 e também Mai, a Garota Sensitiva, anos depois, em 1992, pela Abril. Mas, foi mesmo na entrada do século XXI que as coisas mudaram.

Akira, de Katsuhiro Otomo

Conrad e JBC: as pioneiras

Apenas nos anos 2000 que outros títulos oficiais saíram por aqui. Os grandes pioneiros do mangá no Brasil certamente foram as editoras Conrad e JBC (Japan Brazil Communication) . A Conrad, na época em que Sidney Gusman – atualmente editor sênior das Graphic MSP da Turma da Mônica – e Cassius Medauar – atualmente sem editora, mas teve um legado na JBC – trabalharam juntos e editaram mangás como Dragon ball, Cavaleiros do Zodíaco, One Piece, Slam Dunk etc. Já a JBC iniciou no mercado com os mangás: Video Girl Ai, Sakura Card Captors, Rurouni Kenshin

Todos os títulos na época eram conhecidos como “meio tankos”, pois tinham a metade das páginas do original japonês, denominada “tankobon” (pode ser nomeado “tankohon” também). O preço era acessível para a época, quando o salário mínimo girava em torno de R$180~200. Começou custando R$2,90 e o valor se tornou progressivo conforme o poder de consumo do público e custos de edição/gráfica de cada título. 

mangás de Sakura Card Captors lançados pela JBC em 2001. Os volumes na imagem são 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18 e 19
A coleção completa meio tanko de Sakura eu tenho em casa. Me senti velha.

Foi a partir do início do século XXI que o mercado de mangás de fato engrenou e nunca mais parou. A JBC está no mercado de mangás até hoje e é uma das principais editoras, fazendo uma concorrência direta com a Panini, que chegou mais tarde, em 2002, mas é considerada a maior editora atualmente. 

Já a finada Conrad passou por uma intensa crise entre os anos de 2006 e 2007, e nunca mais foi a mesma. Cancelou diversos títulos, que hoje foram relançados pelas outras editoras do país. Foram os casos de títulos como Dr. Slump (Panini), One Piece (Panini), Slam Dunk (Panini), Cavaleiros do Zodíaco (JBC), Dragon Ball (Panini), Blade – a lâmina do imortal (JBC) e Vagabond (Panini)

Alguns mangás meio tanko da editora Conrad de One Piece, na imagem estão as primeiras 13 edições.
E os 70 volumes que saíram de One Piece pela Conrad eu também tenho em casa.

Em 2009 a Conrad foi comprada pelo grupo Ibep-Nacional e a linha de mangás não foi continuada. Apenas os direitos do clássico Gen, Pés Descalços permaneceram com a Conrad, que demorou um bom tempo para terminar de lançar as 10 edições do título. Mesmo assim, a Conrad foi uma importante editora no país e trouxe um ótimo desenvolvimento pro mercado, testando formatos, qualidades gráficas e títulos diferenciados. 

Panini – Planet Manga

A Panini também iniciou em 2002 com títulos meio tanko, como Peach Girl (cancelado), Angel Sanctuary, Berserk e Éden (cancelado). Posteriormente, em 2006, a Panini passou a testar outros formatos, trazendo títulos em volume original japonês. A partir de então, a editora praticamente parou de trabalhar com os meio tankos. Os primeiros mangás da editora nesse formato novo foram: KareKano, Fullmetal Panic, Lodoss War, Samurai Champloo e Crying Freeman.

Alguns volumes de Éden da editora Panini
Isso aqui era horroroso. Além das páginas caírem, a leitura era ocidental. Tudo errado. Agora a JBC republicou o mangá em formato Big, mil vezes melhor.

Bom lembrar que toda a produção gráfica da Panini é terceirizada, em parceria com a Mythos Editora. Essa parceria continua até os dias de hoje, apesar do mercado ter mudado. Enfim, o formato tankobon foi bem aceito e hoje é o mais difundido no mercado. 

Atualmente, a Panini é a que detém os títulos de maior peso no mercado (Naruto, One Piece, Dragon Ball, Bleach etc), porém ainda recebe diversas reclamações pela pouca estrutura de comunicação com os consumidores. Problemas do mercado existem e sempre existiram, mas esse é um assunto para outro texto!

Para conhecer todos os títulos publicados até aqui, desde 2002, recomendo que acessem o Guia dos Quadrinhos, pois há publicações que a Panini não divulga em seu próprio site. 

Editora NewPOP

Em 2007 surgiu mais uma editora nacional: a NewPOP. Resistindo até os dias de hoje, é a editora considerada “diferentona”. Iniciou no mercado com o título 1945, uma história que se passa na Segunda Guerra Mundial. Júnior Fonseca, o fundador da editora, é conhecido por estar próximo dos leitores e jamais envelhecer (é sério, gente!!). Além disso, ele se tornou uma referência no mercado nacional fazendo fanzines de Dragon Ball

O que mais se destaca na editora com certeza é a quantidade de títulos que ela trouxe do Deus do mangá, Osamu Tezuka. É uma verdadeira biblioteca que o consumidor pode ter só de levar os títulos do autor. Tirando alguns títulos que foram lançados pela Conrad e JBC, todos os outros mangás do Tezuka foram publicados pela NewPOP

Atualmente a NewPOP é conhecida por seus lançamentos alternativos, apostando em histórias de nichos diferentes, sendo eles leitores de light novels, Boys Love, yuri e hentai. Tem em seu catálogo importantes nomes como Koe no Katachi, GTO, Citrus, Nº6 e light novels de sucesso, como Fate Zero e No Game no Life

Koe no Katachi, de Yoshitoki Oima

L&PM

Chegando mais tarde no mercado de mangás, a L&PM na verdade é uma editora de livros, possuindo uma famosa linha de formato pocket de autores renomados (alô Agatha Christie). É possível achar diferentes autores e gêneros de livros, e os mangás chegaram em 2011, com Solanin (Inio Asano) e Aventuras de Menino (Mitsuru Adachi).

Após o sucesso das duas obras (a editora teve que reimprimir ao menos uma vez, pois esgotou), a L&PM começou a trabalhar uma linha de mangás que adaptaram várias obras clássicas, como Hamlet, Arte da Guerra, O Grande Gatsby, entre outros. Em 2015, também lançou uma obra de Mohiro Kitoh (autor de Bokurano) denominada Fim de Verão.

Protagonista da história de Solanin, Meiko.
Solanin, de Inio Asano. Leiam isso aqui, por favor.

Jambô Editora

Mais conhecida por ser a editora a salvar e republicar Holy Avenger, a Jambô Editora é especializada em lançar mangás nacionais. Todo seu catálogo é construído por histórias de fantasias e aventura, com um ar mais de RPG e muitas delas no universo de Tormenta (o mesmo de Holy Avenger). 

A edição definitiva e de luxo de Holy Avenger é certamente o que mais se destaca, popularizando ainda mais o mangá nacional mais famoso! 

Essa é a versão definitiva da Jambô.

Mauricio de Sousa Produções 

Também conhecida como MSP, a editora é detentora universal de qualquer história de Turma da Mônica, o gibi mais famoso no Brasil. Após vários formatos e edições, a MSP passou a trabalhar com a versão mangá da Turma da Mônica, a Turma da Mônica Jovem. Lançada em 2008, existe até hoje. Ficou muito famosa entre pré-adolescentes e adolescentes. 

Tempos depois, em 2013, a MSP publicou o mangá Chico Bento Moço, uma edição alternativa apenas focando no personagem desenhado em traços de mangá e bem mais velho e descolado. Agora em 2019 a MSP lançou mais um mangá: Turma da Mônica – Geração 12, com grande inspiração em temáticas de garotas mágicas, como Sakura Card Captors e Sailor Moon. Assim como o Turma da Mônica Jovem, o mangá Turma da Mônica Geração 12 quer alcançar o público mais novo. 

Turma da Mônica – Geração 12

Editoras que nasceram e morreram rápido

Assim como algumas editoras conseguiram se manter e se solidificar no mercado, outras editoras não tiveram a mesma competência e sorte. Foi o caso da editora Abril, que começou a investir em alguns quadrinhos dos filmes da Disney e acabou trazendo também Kingdom Hearts em 2014 e terminando em 2017 os 4 volumes.  

Além disso, ela havia prometido lançar uma edição mais “luxuosa” de Kingdom Hearts, que também reuniria os 4 volumes lançados anteriormente. O volume 1 chegou a ser lançado, mas foi descontinuado e a Abril cancelou toda a linha de quadrinhos. A saber, a editora Abril foi vendida por apenas 100 mil reais em 2018, depois de muitos anos de crise e problemas até mesmo para pagar os direitos de antigos profissionais. 

A Abril não foi a única. A editora Alto Astral foi outra editora que ficou pouco tempo no mercado. O selo de quadrinhos denominado Astral Comics trouxe algumas curiosas obras, como Tengu-Do, mangá francês finalizado em 3 volumes e alguns hentais polêmicos. Depois disso, se retirou completamente do mercado. 

A HQM é mais uma das editoras que parecia ter potencial, lançou HQs de renome, como The Walking Dead e títulos da Valiant, dos EUA. Chegou a experimentar um pouco do universo dos mangás em 2010, mas não deu muito certo. O mangá mais conhecido foi de Zeiho Takizawa, intitulado Who Fighter. Outros títulos simplesmente não engrenaram, e hoje a editora fechou as portas totalmente. 

Por fim, mas não menos importante, temos a Nova Sampa. No início, em 2013, apesar dos fãs brasileiros estarem com certas desconfianças, a editora chegou a parecer bem empenhada em crescer e ser mais um nome sólido no mercado. Ao menos alguns títulos foram finalizados, como Old Boy, Gurren Lagann, Dawn Tsumetai Te e Variante. Porém, alguns outros ficaram no caminho, foi o caso de Vagabond (republicado desde o início pela Panini), Hitman, Hakuoki e outros títulos. 

Gurren Lagann foi o mangá mais conhecido da editora Nova Sampa!

Em 2017 a Nova Sampa chegou a mostrar que podia voltar ao mercado, depois de um bom tempo de paralisação, mas até agora, metade de 2019, nenhum lançamento. Tudo começou a desandar de vez (antes disso já não era muito organizado) com a saída de Marcelo Del Greco, que voltou para a JBC

Apesar da editora ter uma intimidade histórica com títulos japoneses na década de 1990, a tentativa de voltar ao mercado na segunda década do século não teve êxito. Inicialmente tentaram Crying Freeman, mas não era uma edição oficial e foi cancelada. Outros almanaques e materiais da cultura japonesa foram publicados, mas a época de negociações legais e oficiais aconteceram apenas depois de 2013, com Marcelo Del Greco no comando. 

As editoras que vieram com sangue nos olhos depois de 2010

Mesmo com editoras falhando em seu planejamento e gestão financeira, outras conseguiram ter os pés no chão e entrar no mercado de forma mais consolidada. A Devir, por exemplo, é uma editora famosa por lançar alguns jogos de tabuleiro, livros de RPG e card games como Yugi-oh, Magic the Gathering, entre outros. 

Por ser naturalmente próximo do fandom e mercado nerd, também passou a lançar quadrinhos. Em seu catálogo está a premiada HQ Saga, os quadrinhos clássicos de Tarzan e outros títulos interessantes, como Lumberjanes. Nos mangás, passou a investir em títulos de peso em 2017.

Além de nomes de autores e títulos muito queridos e conhecidos pelo público otaku, a Devir acertou bastante na qualidade gráfica de seus mangás, se destoando bastante das outras editoras e criando um diferencial de mercado. Iniciou com o queridíssimo The Ancient Magus Bride, e também trouxe Uzumaki, de Junji Ito

The Ancient Magus Bride – Mangá da Devir que ainda sonho em comprar.

A Devir ainda escolheu trabalhar com outros títulos clássicos e bem diferentes, como NonNonBa e Tekkon Kinkreet, diversificando mais o mercado brasileiro. Em passos parecidos, a editora Pipoca e Nanquim resolveu lançar o seu primeiro mangá em capa dura e em um formato bem diferente: 23,5 x 33 cm. O mangá é do renomado autor Jiro Tanigushi, intitulado Guardiões do Louvre. A Devir também já lançou um título desse autor, O Homem que Passeia

Como o lançamento da Pipoca e Nanquim foi apenas em 2018, ainda há expectativas de que outras obras sejam publicadas aqui pela editora. Inclusive, ainda em 2019 tivemos outra publicação, como Virgem Depois dos 30. Bruno Zago, um dos editores e donos da editora, foi editor da Panini – Planet Mangá por alguns anos, e já apareceu em diversas palestras para falar sobre seu trabalho e os anúncios da Panini. É um motivo a mais que reforça um futuro investimento no setor de mangás da Pipoca e Nanquim.

Andando também em correntezas parecidas, recentemente a Veneta e a Darkside Books também apareceram com títulos de peso. A Darkside chegou com uma edição muito bem estruturada de Fragmentos do Horror, de Junji Ito, em meados de 2017. Até então nada a mais foi publicado, mas é possível surgir títulos específicos no futuro.

Já a Veneta se tornou a editora a lançar o mangá com mais quantidade de páginas e também o mais caro do mercado até aqui. O título não podia ser qualquer um, então trouxe um clássico com uma história bem mais adulta de Osamu Tezuka: Ayako. São 720 páginas em uma única edição de capa dura, juntando tudo que Tezuka lançou da história e até mesmo páginas extras. Recentemente, anunciou outro mangá ainda a ser lançado em 2019.

E por fim, tentando se tornar uma editora concorrente da Jambô Editora e iniciar no mercado nacional de mangás, a Draco passou a trabalhar com alguns autores que receberam prêmios do Silent Manga Audition. Entre eles estão Kaji Pato e Max Andrade, publicando respectivamente Quack e Tools Challenge

E os mangás no Brasil hoje?

Comparado ao que foi no início de 2000, o mercado brasileiro de mangás está muito maior e mais encorpado. Há mais opções de editoras, formatos de mangás e formas diferentes de venda. As bancas já não são o point para as editoras, que cada vez mais se qualificam em ter lojas próprias e trabalham com livrarias e lojas especializadas. 

Mesmo as pioneiras JBC e Panini trabalham hoje de forma diferente. Apesar dos problemas de comunicação e preço atual dos mangás (que ficam cada vez mais caros e inacessíveis para o público comum), ambas as editoras passaram a trabalhar com qualidades gráficas diferentes, trazendo opções mais diversas de quando surgiram pela primeira vez. O formato Big da JBC é um exemplo bem concreto disso, que se tornou bem específico para as livrarias. 

O ano de 2018 foi também o ano de início dos mangás digitais! A Social Comics, plataforma de quadrinhos nacionais, independentes e também espaço para todas as editoras de mangás optarem por uma versão digital. Nela, por exemplo, é possível ler o clássico Gen, Pés Descalços em formato digital, além de outros importantes títulos.

Além dela, tanto a JBC quanto a Panini começaram a disponibilizar alguns títulos em formato epub, que podem ser lidos pelo Kobo (e-reader da Livraria Cultura) e Kindle (e-reader da Amazon). E também em formato digital direto de lojas de Android e iOS, que podem ser lidos pelo celular e tablets. 

Há um crescimento real do mercado, que ainda não é comparável com o próprio mercado japonês e alguns outros europeus, como França e Espanha, mas ainda assim é um mercado muito importante na América Latina. Pretendo escrever um pouco sobre o legado e história de cada editora ainda, mas até chegar esse dia, segue a gente no Twitter que a gente posta todas as novidades por lá. 

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