Lady Bird: A Hora de Voar é o primeiro trabalho solo de Greta Gerwig como diretora e roteirista. Ela também é conhecida por obras como Frances Ha (Noah Baumbach) e To Rome With Love (Woody Allen). Outro aspecto interessante é o forte envolvimento dela com o mumblecore, um subgênero do cinema alternativo nova-iorquino caracterizado pela atuação natural.
Por causa do presente filme, Greta alcançou a seguinte conquista: foi a quinta mulher, em 90 anos de Oscar, a ser indicada pela melhor direção em 2018. Concorreu também ao prêmio de roteiro original, ou seja, duas indicações de peso. Mais que merecido, como será demonstrado adiante.
Quanto ao filme, ele foi indicado para outras categorias igualmente relevantes, tais quais melhor filme, atriz (Saoirse Ronan) e atriz coadjuvante (Laurie Metcalf). Ressalto, no entanto, o significado e símbolo de mais uma mulher sendo apontada para o nível de melhor direção, principalmente numa época que tanto se fala do machismo em Hollywood.
Quando não sabemos para onde voar
A história acontece no ano de 2002 e segue os passos da protagonista de nome Christine McPherson (Saoirse Ronan). Ela tem 17 anos e se deu o nome de Lady Bird, sempre fazendo questão de mencioná-lo ou de corrigir as pessoas quando não o utilizam.
Christine está prestes a se formar, precisando decidir qual rumo ela tomará. Assim, precisa pensar qual faculdade irá entrar, se estará dentro do orçamento da família e se existe capacidade/vontade para determinados cursos . Antes de tomar a decisão, segue com a vida dela na cidade de Sacramento, em uma escola católica.
A partir daí, vivencia-se uma trama repleta de “drama adolescente”, passando pelas mais diversas fases da vida. O primeiro relacionamento, as questões sobre sexo, amizades com momentos turbulentos, incompreensão entre pais e filhos (onde um não escuta o outro e possuem desejos/vontades distintas), conflitos internos e por aí vai. Tudo abordado de uma maneira singular e muito verdadeira, com toques sensíveis.
Vale mencionar, por curiosidade, que alguns consideram o filme Lady Bird como uma prequel de Frances Ha. O papel principal, de Frances Halladay, foi interpretado pela Greta Gerwig e a história gira em torno de uma mulher de 27 anos que mora junto com uma amiga chamada Sophie (Mickey Sunner). Tanto Frances quanto Christine sonham alto e são retratadas em suas histórias com um olhar que prende o espectador.
A melhor versão de Lady Bird?
Um ponto atrativo de Lady Bird com certeza é a atuação, principalmente de Saoirse Ronan, como Christine, quanto da mãe dela, interpretada pela Laurie Metcalf. A primeira é brilhante nas expressões e passa a sensação, o tempo todo, de combinar com o papel. Você sente a veracidade das ações, dos sentimentos, consegue se emocionar junto com ela.
Ao mesmo tempo fica indignado(a) com certas decisões e torce para Lady Bird realizar outras escolhas. Assim, por causa da atuação impecável de Saoirse, quando você menos espera está completamente imergido na história. Para alguns, Christine é uma adolescente mimada e rebelde, para outros é uma jovem aprendendo a dureza da vida.
Sobre a mãe, Marion McPherson, pode-se afirmar que também foi brilhante, tanto nas brigas quanto nos momentos de preocupação com a filha e com o futuro dela, zelo e saudade. Além da conexão das duas em cena, mostrando uma dinâmica muito boa. Uma curiosidade bacana é que a atriz também fez o papel de mãe do Sheldon Cooper (Jim Parsons), da série The Big Bang Theory.
Lady Bird não brilha sozinha
Quanto aos atores coadjuvantes, o mérito vai para a melhor amiga dela, Julie Steffans (Beanie Feldstein), o pai, Larry McPherson (Tracy Letts) e os dois namoradinhos que a Lady Bird teve, Danny O’Neill (Lucas Hedges) e Kyle Scheible (Timothée Chalamet).
Acrescento ainda que o Kyle despertou um desgosto imenso em mim, pois o espectador sentia como ele e a Christine não tinham nada a ver. Ela meio que criou uma ideia dele, sendo que ele nunca correspondeu a essa expectativa criada… e é impossível não lembrarmos de relações que nos fizeram sentir da mesma maneira. Iludida pela aparência bacana e o jeito “alternativo”, diferentão e descolado, Christine descobre só depois o nível de babaca dele.
O Danny também é interessante, por esconder um segredo e ter toda uma “reviravolta”, digamos assim. Gostei muito da forma que o tema foi abordado e principalmente de como a Lady Bird lidou com a descoberta. Confesso que foi uma cena que me fez chorar de soluçar, achei tudo muito bonito e me fez ficar torcendo para um final feliz pro Danny e pra ela. Admito que gostava dos dois juntos, mesmo assim consegui ficar satisfeita com o desenvolvimento.
Conheça Lady Bird, conheça Christine McPherson
Apesar das discussões, sobre a rebeldia sem causa ou sobre uma fase do processo de amadurecimento de cada um, é inegável que o filme tem seus méritos. Um deles é o sentimento de nostalgia, pois é impossível não lembrar de como foi tomar suas próprias decisões sobre o curso desejado, com a influência de outros ou não. A opção de namorar, quando e com quem, as desilusões… enfim, traz muito da vida normal e não tem como não olhar para trás.
Ainda assim, gostaria de deixar claro que me identifico muito com os questionamentos existenciais da Lady Bird. Essa vontade dela querer ser algo a mais, de encontrar o lugar dela no mundo, de não saber onde exatamente ela se encaixa e mesmo com medo querer tentar algo novo, as vezes com a certeza no coração de que não é algo para ela. No entanto, discordo completamente de algumas grosserias proferidas por ela, bem como algumas atitudes que são claramente criminosas.
Nesses aspectos, considero mais do que apenas rebeldia, mas sim uma falha de caráter, pela qual ela deveria receber alguma punição ou pelo menos ouvir um bom e belo discurso. Também é relevante apontar para o fato da aceitação e da vergonha, pontos muito presentes no filme. Mesmo com a personalidade forte e corajosa da Lady Bird, a gente a acompanha tendo seus momentos de fraqueza e esquecendo um pouco as próprias vontades e gostos para satisfazer um novo grupo de amigos e tentar ser parte dele, ainda que por interesses egoístas.
Alguns dos toques de Greta Gerwig e por que vale a pena conferir
Inclusive, alguns elementos do filme retratam, parcialmente, partes da vida de Greta. Como exemplo, o nome da mãe da diretora é Christine, que também trabalhou como enfermeira em Sacramento. A mãe de Greta também resistiu quando a filha optou por estudar em Nova Iorque. Então você vê que ela mesclou parte da existência dela no longa e traz a reflexão de que somos parecidos com nossos pais, mesmo não percebendo as vezes.
Ademais, procurou adicionar em cada detalhe um pouco da visão e do gosto dela. Isso é visto na trilha sonora e na escolha da paleta de cores. Os dois voltam para uma tendência meio indie e grunge, sendo que os tons que aparecem na tela são mais pasteis. Com isso, traz um ar de juventude, que mistura opostos, tais quais momentos de inocência e outros de ânsia por desafios e descobertas impetuosas.
Assim, o espectador se depara com uma protagonista conflitante e uma história muito verdadeira, podendo trocar o nome das personagens para as da vida real. É um filme com humor, pelas pegadinhas do cotidiano, bem como tem seu lado emocional aflorado. Lady Bird fica sempre em destaque, exceto no final, em que a paisagem parece absorver Christine, além dela se encontrar num estado de vulnerabilidade.
Por todos os pontos minunciosamente pensados, e pela leveza com que trabalharam um enredo simples, sinto que é um filme que merece ser visto. É verdade que tem um ar de previsibilidade e que não chega a ser uma história inesquecível, porém é possível sentir o empenho, o carinho e a atenção empreendidos na presente obra, merecendo ser desfrutada. Como em uma das frases do filme, ” você não acha que são a mesma coisa, amor e atenção?”