Assim como qualquer mercado do entretenimento, como filmes, seriados, documentários, a literatura também é um espaço em que a diversidade é uma realidade. Para que histórias inovem, não adianta fazer sempre os mesmos personagens e as mesmas problemáticas. Exatamente por isso podemos ler de tudo um pouco, desde livros de suspense, terror, romance e fantasia, cada um com um universo e personagens diferentes.
O cenário dos mangás passou a seguir essa mesma linha, talvez sendo um mercado de referência e pioneirismo, inclusive. O Japão ainda é bastante conservador em certos costumes, como questão de igualdade de gêneros e orientação sexual, e isso influencia em todas as mídias possíveis. Mesmo com toda essa problemática social, as mulheres se destacaram no Japão escrevendo quadrinhos para as mulheres.
E o que seriam quadrinhos para mulheres? Quando citamos a demografia shonen, há um público-alvo na visão editorial, assim como temos no Brasil quando falamos que um livro é juvenil. Justamente por isso que a tradução de shonen é “menino”, pois as revistas shonen têm uma noção básica de que as histórias são mais voltadas para meninos adolescentes.
Os quadrinhos para as mulheres se enquadram em outras demografias, sendo eles o “shojo”, “josei”, “boys love” e hoje nós também temos o “yuri”. Eu não irei entrar em tantos detalhes sobre os termos, pois já tem um texto voltado para isso.
Mas, as mulheres leem muitos tipos de mangás no Japão e isso foi exportado para o mundo inteiro.
Mesmo que apenas alguns shojo figurem nas listas de mangás mais vendidos (Nana e Kimi ni Todoke são bons exemplos), há uma quantidade de artistas criando mangás shojo. E do shojo veio as histórias em que personagens do mesmo sexo se amam. Assim como o shonen é muito amplo e abarca história de tudo que é jeito que você imaginar, o shojo também fez isso, mas foi adiante, criou outras demografias com o passar do tempo.
Hoje nós temos revistas apenas dedicadas à histórias boys love, assim como temos a Comic Yurihime, que é uma revista yuri da editora Ichijinsha (a Kodansha a comprou, mas é sua subsidiária, portanto o nome se mantém). Ainda é uma revista recente e até então o yuri era apenas um subgênero embutido nas mais diversas revistas. Em sua maioria, foram as revistas shojo que abraçaram o yuri, mas há exceções (Yagate Kimi ni Naru, por exemplo, é um mangá shonen, porém que contém yuri).
Mesmo que histórias com protagonistas lésbicas e romance entre mulheres seja recente, o Japão é um país histórico na criação de quadrinhos com personagens homossexuais ou mesmo LGBTs. Exatamente pelo conservadorismo tradicional do país, as histórias não receberam suas devidas homenagens e atenção, no entanto que tivemos o anime de Banana Fish apenas em 2018.
Com a popularidade dessas histórias, nada mais natural que o Ocidente também olhe para esses quadrinhos e traga para seus consumidores. E no Brasil, como é essa realidade?
NewPop é a editora dos mangás yuri!
Aqui no Brasil o mercado é bem mais limitado do que o japonês, norte-americano e de alguns países europeus, porém nós temos alguns mangás yuri no nosso cenário! Todos eles foram lançados pela editora NewPop, o que mostra um certo desleixo das outras editoras de apostarem em mangás para outros públicos.
Veja bem, eu irei listar apenas mangás que possuem a tag yuri de fato, pois mangás em que há uma personagem lésbica não é exatamente um mangá yuri, ok? Isso aí é outra lista de mangás, que podemos adicionar Utena, Sailor Moon, Sakura Card Captors e outros mangás. Mas, primeiro, vamos aos mangás yuri já lançados!
Sunset Orange
O primeiro mangá yuri lançado no Brasil foi Sunset Orange (Kuchibiru ni Suketa Orange no original), um mangá de volume único da Rokuroichi. O mangá foi lançado na Yurihime em 2010, e veio ao Brasil em 2017. Para vocês verem, temos apenas 2 anos em que o mercado yuri nasceu no país.
Sinopse: Ao se apresentar para sua classe, Kanae, uma linda aluna que veio de Tóquio, imediatamente conquista o afeto de Chizuru. Ela torna-se completamente fixada em Kanae e sua beleza, fazendo sua mente ficar cada vez mais preenchida por sua colega de classe. Quando ela entra para o círculo de amizade de Chizuru, esse afeto começa a crescer continuamente. Será que irá nascer um sentimento além da amizade? Ou o desejo de Chizuru por Kanae dará lugar a coisas ruins?
Philosophia
Philosophia foi uma grata surpresa para os fãs de yuri, pois é uma história bem desconhecida no meio. Assim como autora de Sunset Orange, que possui uma carreira criando mangá yuri, Amano Shuninta também é uma artista que apenas criou yuri em sua vida profissional. E olha, sinceramente, ela é excelente no que faz.
Suas histórias são bem próximas da realidade e retrata mulheres lésbicas com muita maestria. Philosophia é apenas mais uma delas e foi lançada no Japão em 2010, também na Yurihime. Se a NewPop quisesse, podia trazer tudo da Amano que eu compraria com gosto.
Entre os mangás mais famosos da autora estão Touma-kun e Watashi Sekai o Kouseisuru Chiri no You na Nani ka (The Feelings We All Must Endure em inglês). Bom, Philosophia é mais um mangá de volume único e tem um teor bem mais slice of life com drama (nada pesado, tá?) e foi lançado no Brasil em 2017.
Sinopse: Na universidade, Ai está cercada de colegas que só pensam em festas, bares e romance. Enquanto sua amiga mais próxima está em busca de um marido, Ai planeja ser uma mulher independente e solitária. E por isso estuda com afinco e determinação, sempre pensando no seu futuro profissional. Mas, sem perceber, uma das veteranas começa a se aproximar mais e mais dela, passando de pequenos encontros casuais a uma verdadeira amizade, ao ponto de fazer brotar no coração de Ai um sentimento inédito e que a faz repensar todos seus planos.
Citrus
Hoje a Saburouta é a mangaká yuri mais famosa do Japão, junto com a Nio Nakatani, autora de Yagate Kimi ni Naru. E esse sucesso se deu com o lançamento de Citrus, que ganhou também anime e pode ser assistido na Crunchyroll aqui no Brasil. A história rendeu 10 volumes no Japão (o que é bastante para um mangá yuri) e foi lançado em 2012 na Yurihime. No Brasil ainda está em lançamento, mas a NewPop conseguiu os direitos da história em 2018.
Sinopse: Yuzu é uma garota colegial que ainda nem teve a experiência do primeiro amor, mas devido ao casamento de sua mãe, acabou sendo transferida para um colégio feminino. Logo em seu primeiro dia de aula na nova escola, ela reclamava por não conseguir um namorado e teve um encontro desastroso com Mei, a presidente do Conselho Estudantil. Depois disso, por um acaso, Yuzu presenciou-a beijando seu belo professor. Mei acaba se tornando sua irmã por afinidade e passam a dividir um mesmo quarto. Sem mais nem menos, Yuzu tem seu primeiro beijo roubado por ela…
My Lesbian Experience with Loneliness
Um dos mangás mais aclamados dos últimos anos, My Lesbian Experience with Loneliness recebeu prêmio e trouxe atenção para dois temas muito importantes que a sociedade japonesa negligencia: homossexualidade e depressão. A autora Kabi Nagata criou sua história em 2016 ainda no Pixiv, famosa plataforma de artistas japoneses, e acabou recebendo a atenção da East Press.
Em 2017, a história ganhou o prêmio de “Mangá do Ano” pelo The Anime Awards, e figurou entre as várias listas sobre obras com temática LGBT durante os anos de 2016 e 2017. Por conta disso, a história ganhou uma continuação denominada “My Solo Exchange Diary”, mas que não foi confirmada no Brasil ainda.
Sinopse: O mangá é uma compilação de uma história originalmente lançada na plataforma Pixiv, voltada para artistas amadores/profissionais do Japão. É uma autobiografia da autora que tem inspiração em se tornar uma mangaká: uma mulher de 28 anos que largou a faculdade, o que a fez se sentir extremamente solitária, com uma vida extremamente vazia e que nunca fez sexo, ou mesmo se permitiu a pensar em sexo fora as suas leituras de Boys Love.
Por muitos anos ela passou por momentos de autodestruição, até ela perceber que ela precisa começar a viver de verdade antes que seja tarde demais. E, então em um impulso, ela resolve solicitar um serviço de acompanhante sexual, especificamente uma mulher.
Yagate Kimi ni Naru (Bloom Into You)
Anunciado pela Panini no último dia da CCXP de 2020, Yagate Kimi ni Naru está previsto para chegar entre os meses de março e abril (segundo informações internas) de 2021.
O mangá yuri que furou a bolha no Japão e no Ocidente chegou a receber anime em 2019, além de uma light novel da personagem secundária Saeki Sayaka e uma antologia especial do universo de Bloom Into You, com participação de grandes nomes do yuri.
A autora Nakatani Nio virou uma referência ao yuri no Japão e atualmente está trabalhando com a autora da light novel Adachi to Shimamura (que também recebeu anime em 2020) em uma nova obra, dessa vez com personagens femininas adultas.
Sinopse pela Crunchyroll: Yuu começou seu primeiro ano no colegial, mas ainda não respondeu a uma confissão que recebeu no ensino fundamental de um garoto que ela sempre gostou, mas que no momento da confissão ela não sentiu nenhuma emoção. Yuu adora mangás shoujos e sabe como uma declaração deveria fazê-la se sentir, mas ela não teve aquele sentimento, e acabou recusando a declaração. Yuu descobre que Nanami, a Presidente do Conselho Estudantil, sempre recusou suas confissões por não sentir o mesmo que ela acha que deveria sentir quando alguém se declara. Inspirada pela honestidade de Nanami, Yuu consulta Nanami sobre como é não sentir nada depois de receber uma declaração… Mas acaba que Nanami se declara para Yuu… E agora? O que Nanami fará?
YagaKimi é o primeiro mangá yuri da Panini, o que traz uma série de dúvidas e desconfianças por parte do fandom (e com razão). A editora é famosa por ser desorganizada e ter uma série de problemas com estoque e atendimento ao cliente.
Vale algumas reflexões, no entanto.