Big Fish & Begônia (Da Yu Hai Tang) é uma animação chinesa de drama e fantasia, dirigido por Xuan Liang e Chun Zhang. Os dois criaram a própria produtora, Shout! Studios, e gastaram doze anos para a construção e lançamento do presente longa, que ganhou vida em 2016.
Diferente do Japão, a China não tem um alcance muito consolidado no quesito desenho animado. Assim, o sucesso de Big Fish & Begônia se torna um marco e uma esperança para as animações futuras. É uma conquista e tanto, ainda mais ao considerar que é o primeiro filme de Xuan e de Chun.
Outro aspecto interessante é que Xuan e Chun se inspiraram em algumas das obras do Studio Ghibli, do diretor Hayao Miyazaki (Meu Amigo Totoro, Princesa Mononoke, Viagem de Chihiro e outros). É inevitável não pensar nessas obras enquanto assiste, porém há o caráter único e especial dos diretores chineses. Tanto na maturidade e sensibilidade da história, quanto no olhar sobre a própria cultura.
Big Fish & Begônia está disponível no catálogo da Netflix brasileira desde 17 de agosto de 2018, com dublagem em português inclusa.
O início da mitologia chinesa de Big Fish e Begônia
Big Fish & Begônia acompanha a história de uma garota chamada Chun (significa primavera). Ela vem de um universo formado por seres sobrenaturais e com poderes míticos, sendo um deles a capacidade de controlar a maré das almas.
Quando ela e outros jovens completam 16 anos, precisam passar por um rito de passagem, que consiste em ficar 7 dias no mundo dos seres humanos. Eles se transformam em golfinho e partem para outra realidade. O objetivo é conhecer o ambiente desses novos indivíduos, conhecer as leis naturais da Terra e visualizar como o poder das pessoas do mundo de Chun influenciam a outra sociedade.
Uma das regras do rito de passagem é não ter nenhum contato com a humanidade, ou seja, podem apenas observar. Caso contrário, haverá punição e desequilíbrio. Ocorre que Chun conhece um rapaz durante a estadia dela no mundo humano, responsável por salvá-la de uma tempestade marítima.
Na ocasião, ele perde a vida, deixando uma irmã caçula para trás. Enquanto Chun assiste ao choro da pequenina, sente um pesar e culpa muito grandes. Com tais sensações no peito, Chun faz de tudo para trazê-lo de volta, mesmo que com isso quebre as regras do próprio mundo, gerando sofrimentos inimagináveis para todos ao redor dela, inclusive para seu amigo Qiu (significa outono), quem mais a ajuda em toda a empreitada.
Alguns dos elementos diferenciais do filme
A parte visual do filme, que ficou a cargo do estúdio Mir (Avatar: A Lenda de Korra), é a que mais chama atenção. Apesar dos traços simplistas e de misturar 2D, 3D e CG traz consigo uma enxurrada de referências culturais e simbologias. Isso se reflete nas criaturas criadas (mitologia chinesa), na ambientação, na natureza, nos instrumentos musicais e na forma de vida dos seres criados.
Nesse sentido, pode-se citar o taoismo, tido como uma filosofia de vida e uma religião chinesa milenar. Em várias cenas é possível verificar a harmonia entre as criaturas e a natureza, sobre a vida ser um processo natural e por isso os ciclos devem ser respeitados – nascer, viver e morrer. Isso se aplica aos seres humanos, ao planeta e ao meio ambiente.
Não é a toa que o filme demorou 12 anos para ter a produção finalizada. Cada traço carrega uma ponta fundamental da China, dando vida à uma cultura muito rica em vários aspectos. Há ainda toda a ideia de respeito, tradição, sacrifício e devoção, bem como questionamentos existenciais e reflexões sobre reencarnação.
O conjunto foi um filme belo, rico e emocionante. Mesmo com a fantasia o espectador acaba por mergulhar na história e comprar cada parte dela. Fora a escolha da paleta de cores, dando mais vivaciade à cada detalhe e acompanhando o ritmo da história. Primeiro, o tom vermelho, muito presente na China e associado à virtuosidade, depois tons mais densos e frios, para combinar com as tragédias posteriores.
Por último, as músicas. O destaque fica para a ocarina, que aparece no próprio filme, mas também na melodia da trilha sonora composta por Kiyoshi Yoshida (Toki no Kakeru Shoujo, do Mamoru Hosoda). Os sons aparecem no tempo correto e dão carga emocional ainda maior, carregando sentimentos de intensidade, melancolia e inspiração.
Conhecendo um pouco dos indivíduos de Big Fish e Begônia
Os personagens com mais destaque são Chun, Qiu e Kun (humano que salvou Chun). Os três são extremamente carismáticos e atraentes, com personalidades bem definidas e que fogem de estereótipos. A primeira é confiante, gentil, determinada, apaixonada, aquela pessoa que quando coloca uma ideia na cabeça ninguém tira, podendo soar como egoísta as vezes.
Qiu não tem pais, tendo convivido com a avó dele durante a vida. É um personagem ingênuo, sincero, de coração doce e bondoso, também é brincalhão e humilde. Igualmente determinado a fazer o que considera certo e bom nas próprias crenças. Ele nutre sentimentos por Chun e não esconde, além de continuar ao lado dela mesmo não sendo correspondido.
Ele foi um dos meus favoritos durante toda a trama, por emanar energia positiva e por ser bem humano nos momentos de tristeza. Quanto ao Kun, mesmo quase não tendo falas, no pouco que aparece como pessoa, dá para perceber o quanto é carinhoso e gentil. Afinal, ele arrisca a vida para salvar um animal indefeso sem nem pensar duas vezes.
Por fim, no que diz respeito aos personagens secundários, pode-se dizer que todos combinam muito bem com a ambientação criada. Apesar dos traços simples, é um fato que todas as criaturas, até mesmo as humanoides, tinham características peculiares e convidativas, tornando-se extremamente atrativas. Dava para ver também que todos daquele universo eram simples e carregados de lições importantes para a vida, com um interior voltado para a harmonia.
Uma animação com enredo simples, mas marcante e inesquecível
A verdade é que amei cada parte do filme. Chorei, ri e fiquei com o coração aquecido. Também me envolvi com a dor dos personagens e refleti muito sobre as perguntas e afirmações que a personagem principal faz no início e no final do longa.
Para algumas pessoas, deixou a desejar em certas explicações. A meu ver, acontece que a história era principalmente sobre os três personagens em destaque (Qiu, Kun e Chun). Todavia, deixou sim aquele gostinho de quero mais, pois criou criaturas interessantes e deixou uma pulga atrás da orelha para saber mais sobre cada um deles. Ademais, algumas ações pareceram meio incompletas/injustificadas, mas não parecia o espírito do filme — era como se dissesse que somos humanos e fazemos escolhas, tendo que arcar com elas.
Aliás, o universo e o ambiente todo é muito instigante. Nesse sentido, uma continuação ou algum spin off seria mais do que bem-vindo. Não para completar lacunas, mas para apresentar mais daquela nação. Desenvolver os poderes, as ideias, a cultura… seria maravilhoso de conhecer e acompanhar. Vale ressaltar que a ideia do filme surgiu de um sonho que Liang Xuan teve quando mais novo, dá para acreditar? Criou algo lindo e muito intenso.
Sinceramente, o filme tem o combo perfeito… relacionamentos, drama, magia, história, ponderações sobre a vida, novos aprendizados sobre um país (de maneira sutil principalmente, ou seja, quem está assistindo fica curioso e caçando teorias, ideias). Para completar, tudo isso foi feito em forma de “desenho”, algo que me agrada ainda mais e enche meus olhos de admiração.
Sim, é um filme que recomendo e que te deixa com aquela vontade de viajar para novos lugares ou de criar histórias inspiradas na obra. Assistam com um lencinho e fiquem prontos para desejarem explorar mais de Big Fish & Begônia.