Uma vasta gama de jogadores encontra diversão e motivação em jogos difíceis, que colocam suas habilidades à prova. É uma cena comum, que todo jogador já teve ter vivido, estar parado com o controle na mão, olhando para uma tela com uma mensagem de “game over” que já foi visualizada algumas outras dezenas de vezes. Em situações como essa é natural se questionar o por que de estar ali, insistindo numa mesma coisa há tanto tempo.
Afinal, por que será que nós gostamos tanto de jogar jogos que são difíceis? Por meio de uma pesquisa pessoal foram levantados alguns pontos que talvez justifiquem ou melhor expliquem o processo e os sentimentos envolvidos no ato de jogar um jogo difícil.
A sensação de vencer um jogo difícil vale o esforço
A partir do momento em que o jogador toma a decisão de encarar um jogo difícil, muito investimento é feito: tempo, dedicação, esforço e expectativa. O desafio se transforma numa verdadeira aventura que virá acompanhada de conquistas e frustrações. Tendo em vista tantas intempéries, é de se imaginar que superar todas as adversidades e desafios provoque um sentimento de satisfação no jogador. Sentimento esse que pode ser bastante viciante.
Daí nasce o ciclo vicioso: encarar um desafio; superar o desafio; vivenciar a sensação de mais uma conquista obtida; iniciar um novo desafio. A partir disso é possível afirmar que a dificuldade passa a ser um fator motivante, o meio pelo qual é possível atingir novamente o sentimento de satisfação.
Desperta o nosso lado competitivo
A natureza competitiva do ser humano foi um dos fatores que nos possibilitaram obter sucesso no processo evolutivo. Nosso intelecto mostra que viver em grupos é mais eficiente, obter recursos básicos, como alimentos e abrigo, bem como formar alianças são aspectos importantes para a sobrevivência e o progresso.
E por que de repente comecei a falar sobre o aspecto competitivo do ser humano em um texto sobre videogames? Oras, quais são os objetivos básicos em jogos eletrônicos? Trabalhar em equipe, buscar e coletar mantimentos e sobreviver! Cumprir objetivos básicos como esses facilita o andamento e o progresso dentro de um vasto grupo de jogos.
A comparação não para por aí. Em nossa realidade atual – o mundo moderno – cá estamos nós, compartilhando um planeta que agora abriga uma quantidade absurdamente maior de seres humanos, convivendo em grupos e mais grupos de pessoas. Quando muitos grupos de pessoas querem uma mesma coisa, o que acontece? Disputa. Para alguém ganhar é preciso haver perdedores.
A partir disso é possível invocar um novo leque de jogos eletrônicos – os multiplayer, por exemplo – que reúnem um grande grupo de jogadores buscando um mesmo objetivo em comum. O objetivo e os prêmios são apresentados, os jogadores se habilitam para o desafio, começa o jogo.
Quanto mais difícil, mais o jogador pode se gabar
Aqui reside uma parcela que não necessariamente representa a totalidade dos gamers. Nem todo mundo sente prazer em contar vantagem pelas conquistas obtidas nos jogos que finalizou. Mas, convenhamos, uma fagulha – por menor que seja – sempre acende em nosso íntimo quando em uma conversa um jogo desafiador é mencionado e a oportunidade de poder dizer que conseguiu finalizar aquele jogo surge.
O esforço valoriza a recompensa
Ao considerar jogar ou não um game muito difícil, alguns jogadores precisam preencher requisitos que os convençam a investir seu tempo e esforço para conquistar os desafios que virão. Esse é um processo que, ao mesmo tempo que pode ser completamente consciente, acontece também de maneira involuntária, sem que o jogador sequer perceba que para decidir se vai ou não jogar um jogo difícil é preciso que o game preencha requisitos atrativos e motivantes, que justifiquem o seu futuro esforço.
Um desses requisitos é a recompensa. Não é à toa que o sistema de conquistas inserido nos consoles foi muito bem recebido. A simples oportunidade de obter uma recompensa pelo esforço já configura como requisito suficiente para alguns jogadores ficarem mais atraídos por jogos difíceis. A compensação pelo bom desempenho aumenta a probabilidade de um jogo desafiador ser abraçado pelos gamers. Ter as habilidades reconhecidas por meio de premiação traz contento ao jogador e tornam jogos difíceis mais divertidos.
Além disso, as conquistas a serem obtidas nos jogos enriquecem ainda mais a experiência, muitas vezes ampliando o universo e as possibilidades dentro de um único jogo. Ao se deparar com tantos desafios, a promessa de uma experiência rica e interessante torna-se um aspecto muito tentador, ao qual poucos jogadores são capazes de resistir.
Os fliperamas queriam que você gastasse mais fichas
Este é um ponto que os jogadores mais antigos, que tiveram a oportunidade de passar horas e horas jogando em fliperamas, talvez ainda não tenham parado para pensar.
Existe um motivo para os fliperamas terem sido tão bem aderidos em bares, lanchonetes, mercearias, etc: lucro. É provável que seja impossível fazer um cálculo de quanto dinheiro foi gasto em fliperamas, mas é seguro dizer que foi muito. Haviam fliperamas com os mais variados jogos e muitos deles tinham uma dificuldade considerável, sobretudo quando se tratava de crianças tentando jogá-los.
Naturalmente, era mais comum nos jogos de antigamente que os desafios fossem maiores. Por si só essa característica era um ponto positivo para quem visava ganhar dinheiro em cima das fichinhas de fliperama. Quanto mais um jogador insistia em uma fase após um game over, mais dinheiro o dono do fliperama ganhava.
Não demorou muito para que começassem a surgir os fliperamas adulterados, aqueles cujos jogos vinham com modificações em seus códigos para se tornarem mais difíceis, dentre outras possibilidades. Uma criança, por exemplo, em sua inocência, provavelmente não pararia para questionar se estava certo um determinado vilão realizar um mesmo combo ininterruptamente, sem dar uma oportunidade real para o jogador. Não era pessoal, eram apenas negócios.
Uma geração “mal acostumada” pela cultura dos jogos difíceis
Existe um ponto envolvendo toda uma geração de jogadores que é muito importante nesse debate acerca dos jogos difíceis. Os gamers que viveram os já quase longínquos anos 80 e 90 foram criados e “alfabetizados” nos videogames com títulos que desafiavam ao máximo aqueles os jogavam.
Eram jogos com fases ocultas, passagens secretas, chefes quase impossíveis de serem vencidos, quantidade limitada de vida, poucos checkpoints e por aí vai. Essa grande leva de jogos desafiadores fez com que muitos de nós (eu inclusa) crescêssemos “mal acostumados” a sempre receber novos jogos com nível de dificuldade igual ou superior para jogarmos.
Hoje em dia isso é assunto para discussão e debate entre jogadores mais antigos. Alguns se vêem frustrados pela escassez de jogos “como os de antigamente”, enquanto outros tentam se adaptar enquanto encontram um feixe de saudosismo ao serem presenteados com títulos que se aproximam um pouco mais dos desafios de antigamente, como Super Mario Odyssey e The Legend of Zelda: Breath of the Wild.
O apego à um jogo é proporcional ao tempo investido
É uma lógica simples: quanto maior for o apego de um jogador por um determinado jogo, mais tempo ele estará disposto a passar jogando. Mas, a questão não se resume apenas à isso. O ato de gostar muito de alguma coisa traz consigo uma bagagem emocional com a qual é preciso ter moderação e cuidado. Quando há muito sentimento envolvido em algo existem alguns riscos, tais como: reação acalorada mediante frustração; euforia; decisões tomadas com base em sentimentos imediatos e por aí vai.
Ou seja, é seguro afirmar que jogar jogos desafiadores é, ao mesmo tempo, um investimento emocional feito pelo jogador. Esse investimento emocional está predominantemente presente sobretudo em jogos multiplayer, como os MOBA e FPS, por exemplo. Isso porque tratam de jogos aos quais o jogador está se colocando à mercê do resultado do desempenho de outros jogadores.
Depender da jogabilidade de outros players pode provocar oscilações sentimentais das mais variadas em um gamer. Ao mesmo tempo, lidar com outros players com habilidades superiores instiga o sentimento competitivo e alimenta a determinação do jogador, que pode passar uma quantidade considerável de horas tentando superar o desafiante e, por conseguinte, ultrapassar as próprias habilidades dentro do jogo.
É uma experiência única
Alguns jogadores não são atraídos pelo simples fato de um jogo ser difícil, mas sim pelo conjunto da obra. É quase como se um jogo tivesse que “conquistar o respeito e a atenção” de um jogador unindo dificuldade com gameplay sólido e um universo novo e desconhecido.
É o caso de jogos como Dark Souls, Bloodborne, The Witcher, Skyrim e Sekiro, dentre outros. Estes jogos, além de terem uma dificuldade invariavelmente desafiadora, trouxeram consigo gameplays singulares e universos abertos que normalmente não vêm acompanhados de um mapa para orientá-los.
Esses elementos somados à uma boa narrativa oferecem ao gamer o sentimento de estar vivendo uma experiência única e nova dentro daquele jogo. A motivação aqui parte do princípio de que uma curiosidade foi despertada dentro do jogador e ele se vê empenhado a finalizar um jogo difícil porque foi envolvido pelo sentimento de uma aventura totalmente inédita.
O que importa é a jornada
Resta a justificativa que talvez seja a mais diplomática desse texto. Em suma, para alguns jogadores não faz tanta diferença o grau de dificuldade de um jogo e sim a jornada que é trilhada desde os primeiros passos do tutorial até os créditos de encerramento. O fator dificuldade torna-se um elemento quase que supérfluo para aqueles que estão mais interessados na diversão e a pura paixão por jogar jogos, sejam eles quais forem.
Vale ressaltar que os pontos abordados no texto não devem ser tomados como se estivessem interligados entre si. É perfeitamente possível sentir-se representado em um dos tópicos e discordar de outros, bem como também faz todo sentido concordar ou não com tudo. No fim, o importante é cada um estar feliz com os seus joguinhos, sejam eles difíceis ou não. Nos vemos na próxima aventura!
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